A Cavaco Silva se deve, mais recentemente, a complacência com processos que levantam legítimas dúvidas à justiça (caso do Banco Português de Negócios, BCP) ou ao normal funcionamento do poder político (caso da invenção das escutas do governo a Belém). Mas a ele se deve também uma assumida, e aliás legítima, utilização das competências que lhe são conferidas pelo cargo de presidente da República para favorecer a resposta que o governo deu à crise causada pela especulação com a dívida soberana, resposta essa plasmada nos programas de austeridade e crescimento (PEC) e no orçamento de Estado. O resultado foram políticas austeritárias que recaíram sobre os trabalhadores, os desempregados e os pensionistas, deixando incólumes os detentores dos mais elevados rendimentos e os imorais lucros do capital financeiro.
Cavaco Silva é, assim, um protagonista activo, e talvez durante mais tempo do que qualquer outro político da actualidade, do processo do neoliberalismo à portuguesa, não um processo em que do constante ataque ao Estado resultem simples e generalizadas privatizações, mas antes uma permanente disputa pela reconfiguração do Estado de modo a que este seja, com os seus recursos, cada vez mais colocado ao serviço da acumulação do capital financeiro, da corrosão do Estado social e dos princípios de universalidade, de redistribuição e de igualdade que estão na base da construção de sociedades de bem-estar. Um processo que está na origem da fragilização programada de economias como a portuguesa, tornando-as dependentes do sistema financeiro (onde se concentram os lucros) e garantindo que esse sistema nunca seja prejudicado porque, em momentos de crise, será invocada a dependência dos bancos para não os deixar falir (usando o dinheiro dos contribuintes). Cavaco Silva é o rosto de todas as fases deste processo nas últimas décadas, desde a aplicação das políticas económico-financeiras até à sua consolidação, tendente a transformar cidadãos em clientes, mas dos que nunca têm razão e raramente podem deixar de ter medo.
Não percam o resto do artigo da Sandra Monteiro. O sumário do número de Janeiro do Le Monde diplomatique - edição portuguesa pode ser lido no sítio do jornal.
"Mas os eleitores podem optar por dar um sinal político forte de que não estão do lado da crise − nem da sua génese, nem das respostas que impedem que se lhe veja o fim. Se o quiserem fazer, serão úteis todos os votos que não recaiam no candidato Aníbal Cavaco Silva."
ResponderEliminarHá que incluir também Manuel Alegre neste lote. Manuel Alegre é militante e é apoiado pelo partido que em Portugal mais fez para destruir o estado social e entregá-lo ao grande capital: o Partido Socialista dirigido por José Sócrates.
Só não percebo porque é que a esquerda portuguesa, em vez de ver isto, prefere entreter-se com pequenos casos que não trazem quase nada de novo ao que já sabíamos.
deixando incólumes os detentores dos mais elevados rendimentos e os imorais lucros do capital financeiro....e como tributar os grandes rendimentos que se podem expatriar
ResponderEliminaré um raciocínio muito limitado
Portugal será um país limitado pela sua demografia e pelo seu consumo
o dinheiro que deveria ter sido distribuido para criar riqueza
foi para subsidiar o consumo e as importações
e a especulação no cimento
jogou-se no imediato sem pensar no futuro
mesmo Marcelo Caetano a braços com uma guerra colonial permitiu que o capitalismo português diversificasse as suas opções
e apesar dos monopólios instalados algo de novo surgiu
pensar nos Bancos e nos grandes capitalistas portugueses como inimigos
é esquecer que foram os comerciantes pequenos e grandes que expatriámos durante 50 anos que nos deram divisas e confiança durante 30 anos para mantermos o nosso nível de vida
e nós por eles pouco fizemos
o capital financeiro tem riscos cada vez maiores
ResponderEliminare apertar ou nacionalizá-lo foi coisa que nunca teve sucesso
FAZER PORTUGAL REFÉM DO SISTEMA FINANCEIRO... Dizem vocês...
ResponderEliminarO caminho oposto à austeridade seria o de aumentar AINDA MAIS o endividamento.. ISSO SIM geraria ainda mais dependência do sistema financeiro!!! (Falar de fora é fácil)
AGORA.. é obvio que este caminho que conjuga austeridade com aumento de impostos é absolutamente suicida. Os cortes de despesa deviam ser compensados com abaixamento de impostos, sobretudo às empresas, como forma de manutenção/estímulo de investimento.
Aumentos de rendimento para o consumo, num país estruturalmente deficitário, só leva a mais endividamento.
O grande problema é que não temos muita margem de manobra devido, em parte, a LAPAS GOURMET do estado, como são os autores deste blog, investigadores (que fazem posts em horário de trabalho) e professores que recebem ordenados chorudos que são os mais altos da europa na relação com o PIB per capita.