quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O farol

Sérgio Figueiredo, administrador-delegado da fundação EDP e ex-jornalista, escreveu um artigo no Negócios. Os que nos lembramos do Compre-me isso Portugal sabemos que já restava pouco de crítico ao jornalista nos últimos tempos. Agora, as banalidades neoliberais saltam por todos os lados. Chamam-lhe projecto farol, uma miséria intelectual já aqui escrutinada.

É impressionante como num país onde a desigualdade é absolutamente tolerada, pelas elites e não só, se insiste em escrever como se a posição dos ricos estivesse ameaçada por uma qualquer onda igualitária. Figueiredo teme que os privilégios dos gestores de topo estejam em risco. Compreendo a preocupação de Mexia e companhia. Estes devem ser mais desafiados, claro, também do ponto de vista fiscal, porque isso diminuiria a sua arrogância e aguçaria o seu engenho. A economia empresarial só funciona bem com escrutínio democrático, regras exigentes e contrapoderes laborais. A economia é sempre política.

Os efeitos socioeconómicos perversos das desigualdades elevadas são conhecidos. Figueiredo esquece-se que o combate eficaz à pobreza, de que falava o referido Olof Palme, só se conseguiu com um Estado social forte e universal e com a compressão das desigualdades salariais, graças também à instituição da negociação colectiva centralizada entre sindicatos e patrões; deixa-se menos à sorte da correlação de forças dentro de cada empresa e às redes sociais que protegem as elites.

Nas economias capitalistas quanto menor é a desigualdade, maior é o contributo do crescimento para a redução da pobreza. Este multiplicador da igualdade, que depende entre outras coisas de sindicatos fortes, estimula os sectores mais inovadores do capital, os que sabem que só sobrevivem se envolverem os trabalhadores e se inovarem fortemente, e o crescimento do emprego qualificado. Políticas públicas industriais e de qualificação robustas e de crédito paciente também ajudam.

De resto, como é que se pode falar da estagnação económica prolongada do país sem falar de um euro disfuncional e dos efeitos perversos da convergência nominal e de uma abertura mal gerida às forças do mercado global que o precederam? Sem falar da perda de instrumentos de política económica, como a política cambial, crucial na referida década de oitenta, sem que à escala da União tivessem sido criados outros instrumentos compensadores. Sem falar de privatizações que criaram grupos económicos rentistas, concentrados em sectores com inevitável poder de mercado, como a energia. Como é que se pode falar de crise das finanças públicas sem falar da crise económica que a gerou, causada pela financeirização do capitalismo avançado, ou de um Estado predador, porque capturado por interesses económicos fortes, que a aprofunda estruturalmente?

Enfim, o artigo de Figueiredo pode ser lido como a expressão intelectual do nosso capitalismo medíocre. O intelectual orgânico reflecte a estrutura económica que lhe cabe legitimar. Triste destino.

9 comentários:

  1. Quem deveria estar contra a desigualdade seriam os remediados. No entanto, ao mesmo tempo que passam de remediados a pobres continuam a defender a desigualdade porque, afinal, "igualdade é comunismo"!

    Os "comunistas" nórdicos realmente vivem na miséria!

    Tal como nos EUA. Mantenham o povo endividado que ele trabalha 27 horas/dia para pagar, e näo tem tempo, nem energia, para pensar.

    Há uns 10 anos, era eu jovem, um amigo foi para a apanha do tomate, para ganhar uns trocos nas férias. Escreveu-me "gaita, que agora percebo porque é que os trabalhadores näo se queixam! Chego a casa cansado, quero é dormir, lá quero anda a pensar em melhorar as condiçöes de trabalho..."

    PAGA, ZÉ! E canta, Zé Mario! "FMI, näo há lenha que detenha o FMI..."

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  2. Na verdade, este artigo é um bom exemplar da moral económica dominante.

    Em primeiro lugar, a afirmação ideológica, que o é tanto mais (como sabemos nas ciências que não têm complexos em afirmar-se «sociais») quanto tender a surgir como uma evidência: «não é possível distribuir riqueza sem criá-la primeiro». Bom, a ideia de que a criação de riqueza, só por si, acabará por diminuir a pobreza vale o que demonstra esta pequena mas penetrante análise: http://socionomia.blogspot.com/2010/11/trickle-down.html. Depois, se lermos esta questão a partir duma análise da desigualdade económica, percebemos que «criar riqueza» no topo e esperar que ela se distribua é menos eficiente (e menoss provável de acontecer de forma justa) que «criar riqueza» desde logo de forma distribuída (justamente). É porque existem desigualdades gritantes que a «criação de riqueza» é cada vez mais uma actividade vista como realizada por aqueles menos susceptíveis de a quererem distribuir (sim, os capitalistas, que como a própria definição do termo indica, visam a maximização do lucro e acumulação do capital).

    Depois, a propaganda: um projecto mobilizador, que una todos, etc. Acho que, face ao que já disse, bem como ao que o comentário do blogue assinala, estamos conversados sobre esta «união».

    Depois, os princípios de referência: «a função redistributiva pertence ao Estado, não ao mercado» (o que nos diz muito sobre a afirmação inicial da criação+distribuição de riqueza; enfim, o ataque à «opinião dominante [dominante? onde?] que (...) cavalga em cima da demagogia e exige ao sector empresarial que participe no combate à crise reduzindo a remuneração de gestores e de accionistas». Ora, caro «jornalista», não era justamente criar para redistribuir? Agora não se pode tocar na riqueza criada? Explique lá, sff, que penso que ninguém percebeu.

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  3. É verdade que a função redistributiva pertence ao Estado, não ao mercado. Por isso os ricos devem ser mais taxados que os pobres, que é único modo de fazer quem tem por objectivo acumular capital "livrar-se" um pouco dessa riqueza acumulada (e já nem digo "acumulada à conta de salários baixos").
    Mas quando o "Estado" age em favor da elite, em vez do povo, surge a situaçäo actual, em que os ricos estäo cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Os ricos ganham com os baixos salários que pagam e com baixas de impostos.
    Mas se o povo näo se queixa, porque deve o Estado mudar? Deveria haver uma "moral do Estado" independente e utilitarista? Mesmo que sim, pois é, mas o Estado é formado por pessoas, que säo falíveis e corruptíveis. É para moralizar isso que existe a democracia, onde as maçäs podres seriam tiradas do cesto. Eu tento, a maioria está-se borrifando.

    Exacto, A.C. Martins, você achindrou bem o esquema: este "jornalista" é mais um cäo de colo, (bem) pago para lançar estas alarvidades. Para os vampiros que este "jornalista" representa, o sector empresarial contribui para debelar a crise pagando o mesmo ou mais aos gestores de topo e menos aos trabalhadores a quem generosamente dará emprego. Os gestores, com mais gente sob a sua alçada, claro que têm de manter os salários para compensar o aumento de "responsabilidade"!

    Até na Grécia e Irlanda os gestores estäo a levar cortes nos salários, é natural que todos paguem a crise--a começar por quem a criou. Näo sei é como é que a maioria o aplaude, a näo ser que Portugal seja um país de gestores e de accionistas, e eu näo me tenha dado conta...

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  4. É pá, do S.Figueiredo, esse paspalho, graxista, não podia de facto ter outra posição a não a de cócoras perante quem lhe paga.!
    Pena é que de vez em quando uma pessoa tenha de o ver na TV a dizer as bacoradas do costume.

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  5. o que é mais triste é que este Figueiredo quando andou comigo na universidade era da JCP e foi levado ao colo no inicio da sua carreira pelo deputado Sérgio Ribeiro...entretanto começou a gostar de usar gravata e cagou prás origens...um pragmático

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