Como numa tribo cuja vida colectiva é determinada pelo humor dos deuses, obrigando a pensar na melhor forma de lhes agradar ou de aplacar a sua ira, o debate político-económico tem sido preenchido, entre nós, pela discussão sobre as melhores formas de desencadear uma boa reacção dos mercados e evitar a sua cólera. É isto que justifica os PEC I e II, bem como a austeridade imposta pelo OE de 2011: se fizermos sacrifícios, os mercados ficam contentes e deixam de agravar os juros que pendem sobre a dívida soberana.
A razão de ser das políticas de austeridade que nos tem sido apresentada não recorre, todavia, a estas lógicas metafísicas, mas antes a fundamentos supostamente racionais. Como explicou Durão Barroso, "um país que se endivida tem depois de mostrar que é capaz de pagar as dívidas que tem (...), é importante agora que Portugal faça o que for necessário para restabelecer a confiança, a confiança dos mercados na sua capacidade para consolidar as finanças públicas".
Tudo isto poderia fazer sentido, não fosse o caso de uma evidência e uma perplexidade estragarem a racionalidade que nos tem conduzido, de forma asfixiante, nos últimos tempos.
A evidência reside no facto de, tal como já se tinha tornado claro nos casos da Espanha e da Irlanda, os mercados se borrifarem para sacrifícios. Não é essa, manifestamente, a sua lógica de funcionamento. Como o gráfico ao lado permite demonstrar, os juros da dívida têm subido paulatinamente desde os 4,3% de Março para os 6,3% actuais, indiferentes portanto - nessa trajectória - às duras opções que, como seria suposto, comportam a capacidade de inverter essa subida.
A perplexidade reside em pensar que, se as coisas funcionassem nos termos em que Durão Barroso as coloca, o melhor sinal que um país poderia dar relativamente à sua capacidade para pagar dívidas consistiria em desenhar boas políticas e estratégias, conducentes à revitalização económica e à criação de riqueza. Isto é, políticas capazes de estimular o consumo, o emprego, o crescimento económico e a receita fiscal. Tudo ao arrepio, portanto, das medidas de austeridade que foram recentemente agravadas.
Nos termos da lógica que nos tem guiado, num mundo e num tempo normal, esperar-se-ia que esses novos deuses - os mercados - reagissem pois negativamente a tudo o que tem sido proposto como caminho de saída para a crise.
Na verdade não são os mercados. São os governos a não quererem deixar passar a oportunidade do ataque ao estado social e aos direitos dos cidadãos.
ResponderEliminarPara voltar a ter é sempre mais difícil.