segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O novo gestor do FMI para a Europa

António Borges (AB), economista neo-liberal e defensor das políticas de "choque e terror", acaba de ser nomeado para o cargo de director do departamento europeu do Fundo Monetário Internacional. A escolha é consistente com a doutrina do Consenso de Washington que o FMI aplica há dezenas de anos por esse mundo fora com os resultados que se conhecem.

Não vá alguém ter dúvidas sobre a actual orientação do FMI sob a presidência de um destacado membro do partido socialista francês (Dominique Strauss-Khan), AB veio dizer-nos o que pensa sobre o papel do sistema financeiro na presente crise. Numa conferência intitulada "Reformar o Sistema Financeiro", realizada na passada semana na Fundação Calouste Gulbenkian (notícia do Expresso-Economia, p. 29), AB afirmou:

"a missão principal do sistema financeiro não é apenas canalizar poupança para investimento, essa é apenas a ponta do icebergue. Deve ser permitido aos investidores exercerem o seu poder nas empresas, o que muitas vezes só acontece através do mercado, e a sua acção deve ser mais forte e incisiva para que não se voltem a cometer os erros do passado."

Logo na primeira frase, ficamos a saber que a poupança dos agentes económicos encaminhada para o crédito à economia "é apenas a ponta do icebergue". O resto, o "corpo do icebergue", é encaminhado para aplicações financeiras à margem, e frequentemente em prejuízo, da provisão de bens e serviços de que necessitamos. É esta esfera financeira que preocupa AB a ponto de discretamente sugerir que, se pudesse ter uma acção "mais forte e mais incisiva", esse capital especulativo teria impedido a ocorrência dos "erros do passado".

AB não diz a que "erros" se refere. Os de Jardim Gonçalves e sua trupe da Opus Dei no BCP? Os do BPN e BPP? Os de Madoff e outros? Os "erros" dos gestores que nos EUA concederam crédito a quem não tinha rendimentos? Percebe-se a intenção. AB refaz a história da crise procurando reabilitar a finança especuladora sob pretexto de que esta desempenha uma função socialmente útil. Assim, com grande desfaçatez, AB apresenta a crise do ponto de vista que convém aos interesses que defende. Vejamos.

AB deixa implícito que a crise foi causada por erros de gestão e pela actuação de indivíduos de mau carácter. Na realidade, AB está a ocultar a causalidade central: o excesso de liquidez dos países com excedentes na balança de transacções correntes foi (financeiramente) aplicado nos países onde a crise rebentou. O sobreendividamento dos EUA e da periferia da Europa foi a contrapartida das aplicações financeiras dos bancos da China e da Alemanha. Todos conhecemos a força de persuasão do "marketing" que os bancos portugueses mobilizaram para que as famílias se endividassem, quer dizer, utilizassem a poupança dos segmentos sociais mais favorecidos da Alemanha. Esta dimensão estrutural da crise é ocultada pela retórica da "individualização" das causas da crise e a retórica simplista do "despesismo".

AB e os seus amigos da Bolsa revelam um enorme descaramento ao virem agora dizer que a especulação financeira é socialmente útil. Querem fazer-nos esquecer que este capitalismo financeiro é intrinsecamente gerador de crises porque baseado numa dinâmica de efeitos amplificadores, geradores de "bolhas" que, em dado momento e sob a acção de um qualquer factor externo, fatalmente explodem.

Opondo-se a AB e seus amigos da bolsa, acertadamente diz Friedhelm Hengsbach, Jesuíta e Professor Emeritus de Economia e Ética em Frankfurt:

"[No capitalismo financeiro Anglo-Americano] Os gestores trabalham exclusivamente para o interesse dos accionistas e, portanto, baseiam a suas decisões (e o seu salário) nas cotações da bolsa que supostamente traduzem o valor da empresa. Os interesses dos trabalhadores, dos clientes, da administração local e organismos do estado são vistos como secundários. ... Tem bom fundamento a suspeição com que os cidadãos vêm a colaboração entre governo e elites financeiras."

A tal conferência em que AB discursou tinha o seguinte subtítulo: "O que sabemos e o que podemos esperar". Do centrão português (PS+PSD) já sabemos o que podemos esperar. De uma esquerda preparada para governar deve esperar-se uma política que foi bem resumida por um economista insuspeito de esquerdismo: "É preferível sobre-regulamentar de imediato [o sistema financeiro] e, depois, corrigir os erros, do que arriscar uma nova era de mercados financeiros, instrumentos e instituições auto-regulados e suavemente sub-supervisionados."

4 comentários:

  1. Desculpem lá mas estou farto destes bandalhos todos.!
    Estes fulanos nunca por nunca ser podem saber o que é que custa estar desempregado, precisar de dinheiro para pagar a renda, a alimentação, os remédios, a comida, etc, e não ter.
    Individuos como este, e o tal Dominiq Straus Kan e outros iguais a eles - o PS e o PSD do qual o tal AB é vice-presidente, apenas dão mau nome á democracia.
    A nomeação deste fulano para aquele lugar - lugar próprio dos Vampiros - demonstra claramente que estas elites estão todas podres. Afinal a que titulo é que ele foi nomeado para ali.!? Só pode ter sido pelas teias que foi tecendo quando esteve nos EUA e na GB. Não foi por competência porque este, como outras centenas de economistas muito bons (?) não conseguiram prever a chamada crise antes contribuiram e bem para ela, como é o caso deste individuo que defendeu(eu vi )a bondade das tais sub-prime.
    Cá como lá fora, o PS e o PSD (as familias politicas quero eu dizer) vão fazendo o seu caminho de compadrio, de cumplicidade com todas as malfeitorias das elites financeiras e politicas.
    A democracia e os povos merecem melhores pessoas.

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  2. Sou velho o suficiente para lembrar os acontecimentos dos anos 80 na URSS estados vassalos.

    Também havia lá uns tipos que queriam "salvar o sistema, aprendendo com os erros", mas que näo iam ao âmago da questäo.

    Menos de 30 anos depois, e após o falhanço monumental da teoria nos países onde mais selvaticamente foi implementada (EUA e GB), querem continuar na mesma senda, ignorando Madoffs e BPN/BPPs, e querendo que sejam os "pobres" a pagar pelas crises originadas pelos "ricos".

    Na URSS e estados vizinhos aquilo acabou maisoumenos pacificamente, porque o Ocidente mandou dinheiro. Na Jugoslávia näo mandaram, e foi o descalabro.

    Agora é a China comunista a mandar dinheiro (curioso), mas a sociedade ocidental é de tal forma egoísta que näo sei se vai chegar para impedir sangue. em Portugal já mais de 250.000 desempregados perderam o subsídio, e näo há postos de trabalho para eles. Veremos

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  3. Caro
    Jorge Bateira,
    Não compreendo a sua admiração em relação a António Borges um ultra-liberal formado no mais duro capitalismo, não há pois, que admirar de opiniões de tal criatura, aliás, sempre que oiço esse Sr. desligo ou mudo de canal, dá-me vómitos a conversa dele, por ele, só havia patrões ricos e escravos.
    Num futuro governo PSD, vamos ver qual vai ser a sua influência, pois, parece, que o líder desse partido lhe dá ouvidos.
    Para mal dos nossos pecados, nunca mais aparece um cometa que dê cabo desta porcaria toda.
    Cumprimentos.
    LUSITANO

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  4. Por isso mesmo é que votarei CDU ou BE... depende de qual meter mais medo aos banqueiros!

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