A desigualdade sapa a confiança social, um dos ingredientes da res publica. O dinheiro concentrado corrói as virtudes republicanas e favorece todos os vícios e todas as dominações: da arrogância à humilhação, passando pela excessiva deferência em relação aos mais ricos, a quem são automaticamente atribuídas todas as qualidades humanas que o dinheiro não pode comprar. O filantrocapitalismo emergente é só um sintoma de problemas mais vastos.
Como sublinhou outro historiador, Fernando Rosas, a configuração actual da globalização capitalista sabota a soberania nacional e impossibilita a criação de outros espaços com iguais possibilidades de legitimidade democrática. A invocação da ameaça dos "mercados financeiros" para justificar medidas de austeridade assimétrica é a expressão das forças que erodem a República e que favorecem os mesmos de sempre. O destino do processo de integração europeia, com a sua aposta em instituições de pilotagem de economias blindadas à deliberação democrática, é a tradução política de todas as chantagens do capital que circula por aí e que só gera crises. O BCE ou o Banco de Portugal, duas instituições que mais parecem defender os interesses particulares da banca, são apenas tristes exemplos desta engrenagem.
Tudo se torna ainda mais grave quando o processo de penetração da pura lógica capitalista, ou seja, do controlo dos grupos privados capturados por accionistas ávidos de dividendos, subverte o debate público plural, a melhor forma de irmos descobrindo verdades provisórias. O que se tem passado recentemente na televisão, o mais poderoso aparelho ideológico da actualidade, é esclarecedor a esse nível. Num contexto de desastrosas políticas de austeridade, construiu-se um monopólio da economia do medo, forjada por economistas medíocres, cujos argumentos em grande medida sobrevivem porque não há contraditório. O serviço público de televisão foi contaminado por essa lógica, quando deveria ser uma barreira à sua difusão.
Felizmente, um grupo de cidadãos teve uma iniciativa republicana: uma petição pelo pluralismo no debate político-económico que contém um diagnóstico realista do massacre ideológico neoliberal e um apelo ao fim deste monopólio da análise e da opinião. A multiplicação de iniciativas cidadãs, de debate e esclarecimento, sobre as políticas económicas de austeridade que destroem a República, são um contributo para republicanizar a economia, que bem precisa.
A greve geral de 24 de Novembro, que juntará a CGTP e a UGT, pela primeira vez em mais de duas décadas, é a expressão do que já sabemos há muito: só a força organizada do trabalho pode impedir o plano inclinado que leva a República para a oligarquia...
Graças à petição que assinei no seu post abaixo, "descobri" que mais que subscrever algo com que concordo estou a cometer um acto cívico. Há coisa simples e primárias que se aprendem tarde. Depois de saber não vou parar. A confirmação dessa necessidade foi-me feita pela leitura de um conto de Saramago, que começa assim:
ResponderEliminar"Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar, Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar..."
Abraço solidário
pois tal como o outro dizia que vivia numa monarquia sem monárquicos
ResponderEliminarvem agora outro dizer que vivemos sem republicanos na república
ou como dizia o republicano
Aquilino Ribeiro:
Tanto se me dá que mande Pêro como Sancho.
Meço-os todos pelo mesmo alqueire, ambiciosos, fátuos, inúteis,
egoistas, prepotentes e medíocres
Há actividades que acabam por recalcar no homem... a razão
Em regra, esta de governar os povos é uma delas.Não...?
Onde não vires aventureiros, sem nenhuma espécie de escrúpulos,
encontrarás apenas imbecis.
Pois que no mundo tudo se concatena e existe uma solidariedade íntima embora secreta
entre Primo de Rivera e Staline.
não dou abraços solidários que estou com gripe
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