segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Republicanizar a República

O historiador Fernando Catroga defendeu que é preciso republicanizar a República, ou seja, incrementar a participação democrática dos cidadãos, em condições de igualdade substantiva no nexo económico-legal, por forma a que o ideal de autogoverno possa ter expressões muito mais concretas. Diversos estudos empíricos indicam que os elevados níveis de desigualdade de rendimentos, como os que se registam no nosso país, com cavadas divisões de classe, são um dos mais poderosos obstáculos à acção colectiva capaz de descobrir, em cada momento, os bens comuns.

A desigualdade sapa a confiança social, um dos ingredientes da res publica. O dinheiro concentrado corrói as virtudes republicanas e favorece todos os vícios e todas as dominações: da arrogância à humilhação, passando pela excessiva deferência em relação aos mais ricos, a quem são automaticamente atribuídas todas as qualidades humanas que o dinheiro não pode comprar. O filantrocapitalismo emergente é só um sintoma de problemas mais vastos.

Como sublinhou outro historiador, Fernando Rosas, a configuração actual da globalização capitalista sabota a soberania nacional e impossibilita a criação de outros espaços com iguais possibilidades de legitimidade democrática. A invocação da ameaça dos "mercados financeiros" para justificar medidas de austeridade assimétrica é a expressão das forças que erodem a República e que favorecem os mesmos de sempre. O destino do processo de integração europeia, com a sua aposta em instituições de pilotagem de economias blindadas à deliberação democrática, é a tradução política de todas as chantagens do capital que circula por aí e que só gera crises. O BCE ou o Banco de Portugal, duas instituições que mais parecem defender os interesses particulares da banca, são apenas tristes exemplos desta engrenagem.

Tudo se torna ainda mais grave quando o processo de penetração da pura lógica capitalista, ou seja, do controlo dos grupos privados capturados por accionistas ávidos de dividendos, subverte o debate público plural, a melhor forma de irmos descobrindo verdades provisórias. O que se tem passado recentemente na televisão, o mais poderoso aparelho ideológico da actualidade, é esclarecedor a esse nível. Num contexto de desastrosas políticas de austeridade, construiu-se um monopólio da economia do medo, forjada por economistas medíocres, cujos argumentos em grande medida sobrevivem porque não há contraditório. O serviço público de televisão foi contaminado por essa lógica, quando deveria ser uma barreira à sua difusão.

Felizmente, um grupo de cidadãos teve uma iniciativa republicana: uma petição pelo pluralismo no debate político-económico que contém um diagnóstico realista do massacre ideológico neoliberal e um apelo ao fim deste monopólio da análise e da opinião. A multiplicação de iniciativas cidadãs, de debate e esclarecimento, sobre as políticas económicas de austeridade que destroem a República, são um contributo para republicanizar a economia, que bem precisa.

A greve geral de 24 de Novembro, que juntará a CGTP e a UGT, pela primeira vez em mais de duas décadas, é a expressão do que já sabemos há muito: só a força organizada do trabalho pode impedir o plano inclinado que leva a República para a oligarquia...

3 comentários:

  1. Graças à petição que assinei no seu post abaixo, "descobri" que mais que subscrever algo com que concordo estou a cometer um acto cívico. Há coisa simples e primárias que se aprendem tarde. Depois de saber não vou parar. A confirmação dessa necessidade foi-me feita pela leitura de um conto de Saramago, que começa assim:

    "Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar, Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar..."

    Abraço solidário

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  2. pois tal como o outro dizia que vivia numa monarquia sem monárquicos

    vem agora outro dizer que vivemos sem republicanos na república

    ou como dizia o republicano
    Aquilino Ribeiro:

    Tanto se me dá que mande Pêro como Sancho.

    Meço-os todos pelo mesmo alqueire, ambiciosos, fátuos, inúteis,

    egoistas, prepotentes e medíocres

    Há actividades que acabam por recalcar no homem... a razão

    Em regra, esta de governar os povos é uma delas.Não...?

    Onde não vires aventureiros, sem nenhuma espécie de escrúpulos,

    encontrarás apenas imbecis.

    Pois que no mundo tudo se concatena e existe uma solidariedade íntima embora secreta

    entre Primo de Rivera e Staline.

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  3. não dou abraços solidários que estou com gripe

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