domingo, 10 de outubro de 2010

Espíritos da época?

Dos nomes que circulam por aí, eu só apostaria em Robert Shiller para Prémio de Economia “em memória” de Alfred Nobel atribuído pelo Banco Central da Suécia amanhã. As finanças comportamentais já o merecem. Improvável. No entanto, o contexto não pode ser melhor. Pensar os mercados financeiros como se fossem povoados de humanos, de seres com capacidades cognitivas limitadas, propensos à imitação, seguidores de modas e convenções, “soluções”, “âncoras cognitivas” temporárias, para a incerteza radical sobre o fluxo de rendimentos futuros. O futuro não é um mero reflexo estatístico do passado. Incorporar o que a psicologia nos ensina para compreendermos os padrões que emergem nos mercados financeiros e não só e que contradizem a irrealista hipótese dos mercados eficientes. De acordo com esta hipótese, os mercados, povoados de agentes mecanicamente racionais que transformam incerteza em risco calculável, tendem a incorporar toda a informação disponível no preço dos activos. Esta hipótese é a teoria económica panglossiana no seu melhor: tudo correrá pelo melhor no melhor dos mundos. A especulação, ou melhor, a arbitragem, é estabilizadora e a inovação financeira é por definição benigna.

O monopólio intelectual desta corrente, que Shiller desafiou empiricamente, não alimentou apenas a complacência face à instabilidade. Por mais que agora procurem escamoteá-lo, a verdade é que muitos economistas tiveram – como ideólogos, conselheiros políticos, membros dos bancos centrais ou das instituições internacionais – uma participação directa na construção política da actual arquitectura financeira global. Mais interessante ainda, muitos participaram, como empreendedores inovadores e como engenheiros de mercado, na definição e aplicação de fórmulas e modelos matemáticos em novos e sofisticados produtos financeiros que permitiram um desenvolvimento sem precedentes, por exemplo, dos mercados de derivados. Estes cresceram como resposta à instabilidade financeira crescente, abrindo, ao mesmo tempo, novas oportunidades de especulação que haveriam de alimentar ainda mais a instabilidade no futuro. Shiller, diga-se, faz parte da tradição de engenheiros sociais de mercado, embora seja mais razoável acerca dos exigentes contextos políticos e regulatórios em que os mercados florescem.

Nada que Keynes não tivesse assinalado noutro contexto, sem o mesmo detalhe empírico, mas com muito mais qualidade literária e profundidade analítica. Ao contrário das bastardas caricaturas que circulam por maus manuais, a boa análise keynesiana sempre teve fundamentos “microeconómicos” e institucionais realistas e nunca se resumiu à politica económica contracíclica. Como dizia Keynes, na esfera financeira, quando a especulação predomina, “mais vale fracassar com as convenções do que ser bem sucedido contra elas”. De facto, num contexto marcado por pressões concorrenciais intensas, resultantes da estrutura dos mercados liberalizados, e por uma incerteza irremovível face a um futuro aberto, quase ninguém está em condições de resistir à busca de níveis de rendibilidade que se revelam, mais tarde, insustentáveis.

Os lucros que podem ser obtidos na esfera financeira, por comparação com outros sectores da actividade económica, alimentam assim os excessos que geram a catástrofe paga depois por todos. Sem controlo adequado, os ciclos de crédito contribuem para a alternância de períodos de euforia e de pânico que desestabilizam as relações económicas, podendo conduzir a uma interacção perversa entre a dívida acumulada e a deflação. Hyman Minsky, cuja hipótese da instabilidade financeira do capitalismo tem inspirado alguns dos principais estudos nesta área, dizia por isso que o “sistema financeiro é demasiado importante para ser deixado ao mercado”.

O único livro de Shiller que está disponível entre nós é o que escreveu recentemente com Akerlof, um Nobel da informação assimétrica. Uma introdução razoavelmente acessível onde se argumenta que a recente economia comportamental permite um regresso a hipóteses mais realistas sobre o funcionamento macroeconómico do capitalismo global: o “espírito animal”, expressão de Keynes que os autores torcem um pouco, como base “micro”. Um retorno parcial a Keynes e Minsky. Não li a tradução portuguesa, mas tendo em conta as fracas traduções de economia que tenho lido recentemente, como o último livro sobre Keynes que o Nuno recenseou, não posso garantir uma leitura segura...

PS. Enfim, mais dois bons livros que merecem boas traduções. Leiam as recensões de Bob Pollin e de John Gray.

1 comentário:

  1. Nem tudo é mau na bancarrota....pois

    Até à grande crise financeira de 1891, as dificuldades em pagar a dívida externa eram resolvidas com o aperto da economia e quem sofria eram as camadas ‘menos abastadas’. Mas a declaração da bancarrota serviu ao Governo para aumentar e prolongar a dívida mais 40 anos
    e a trazer a fome das ilhas para o continente
    tem razão o meu avô viveu nesses dias
    eu levava um calduço
    quando deixava arroz no prato
    come-se porque nunca se sabe quando voltam os tempos de fome

    pois e o seu euro-ouro tem flutuações pequenas?
    é demasiado estável?

    e não se parece com a convertibilidade em ouro ou em prata
    ou em bens

    e um escudo a desvalorizar-se 30% ao ano e com juros de 19% seria preferível

    os ladrões de bicicletas converteram as suas bicicletas em francos suiços?

    pertenceis aos que roubam com unhas agudas?

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