domingo, 31 de outubro de 2010

Na política portuguesa, não há mesmo vida para além do défice

«Ambas as delegações convergiram na necessidade de, a par da sustentabilidade das finanças públicas, reforçar e aprofundar as acções estruturais em curso para a melhoria contínua da produtividade e da competitividade, tendo em vista o aumento do potencial de crescimento da economia, na medida em que consideram ser esta a grande questão estratégica da economia portuguesa.» Termina assim o texto do acordo entre o PS e o PSD para viabilizar o orçamento.

Já nos habituámos a ver os partidos do arco governamental e os economistas do regime jurarem que o problema da economia portuguesa está no seu potencial de crescimento. Esta é a grande questão, dizem, e é aí que devem centrar-se as atenções.

Mas alguém sabe o que pensam os principais partidos sobre o assunto e em que é que divergem? Por exemplo, será que convergem no diagnóstico sobre o peso relativo dos principais constrangimentos que impedem o crescimento da produtividade - qualificações de trabalhadores e empresários, níveis de investimento em inovação tecnológica ou em factores imateriais de competitividade, práticas organizacionais, posicionamento das empresas nacionais nas cadeias internacionais de valor, estrutura e dimensão de empresas, mercado de trabalho, níveis de fiscalidade, custos de bens e serviços intermédios de natureza transversal (e.g., energia, telecomunicações, gás), infraestruturas de transporte e de logística, ordenamento do território, etc.?

E será que concordam nas estratégias a prosseguir para ultrapassar esses constrangimentos - a título de exemplo, privilegiar o desenvolvimento das maiores empresas nacionais (EDP, Galp, PT, construtoras, etc.), mesmo que tal implique custos acrescidos de bens e serviços no tecido económico português? Apostar no desenvolvimento de sectores específicos (e.g., energias alternativas, tecnologias de informação, tecnologias da saúde) ou tentar que a presença do Estado seja tão neutra quanto possível? Continuar a investir no sistema científico e na formação de doutorados, ou fazer depender esse investimento da sua relevância para as empresas? Alargar a base territorial da competitividade da economia portuguesa, ou reforçar as dinâmicas de aglomeração?

E qual o papel que julgam ter os vários instrumentos de política pública na prossecução dos objectivos (e.g., benefícios fiscais, subsídios às empresas, compras públicas, regulação da concorrência)?

PS, PSD e economistas do regime falam do 'problema da produtividade' como se fossem óbvias para todos as origens do problema, as estratégias para o resolver e as medidas concretas a pôr em prática. Não o são. E a incapacidade que revelam na discussão específica destas questões são um dos sinais mais significativos da mediocridade do debate político-económico neste país.

4 comentários:

  1. Costumo, para casos destes, recorrer apenas à memória, mas desta vez, e por razões óbvias, recorri a um Dicionário de Língua Portuguesa, da autoria de Eduardo Pinheiro, para referir o seguinte: só a alguns anos a esta parte nos habituámos a usar o verbo formatar, por isso, talvez ainda nos admiremos do facto de nos achármos acima dessa nova forma de alienação a que hoje se alcunhou chamar " estar formatado". É apenas por isso, que sei eu?,que ás vezes nos damos conta de que ainda não dizemos tudo nem pensamos tudo em razão do que diz e quer a televisão, que é o notário onde se regista o que acontece ou não acontece em qualquer lado. Já viram a trabalheira que era para as ditas, aparecer agora, no discurso delas, claro, alguém a refutar a norma? Tenham juizo!

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  2. A referência a "acções estruturais em curso para a melhoria contínua da produtividade e competitividade", parece implicar que ambos concordam em que basta "reforçar" e "aprofundar" aquilo que já estará a ser feito.

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  3. Meu caro, que perguntas tão complexas! Os senhores do governo e os seus conselheiros são muito mais terra a terra. O que eles perguntam é "como havemos de comprar os monos que os nossos amigos nos querem vender, de modo a ganharmos todos - eles e nós?"; "como havemos de fingir perante o Zé, de forma convincente, que o negócio é, não apenas legal e honesto, mas tb o melhor para o País?".
    Como vê, a economia e a política oficiais regem-se por critérios bem mais imediatos e pragmáticos. Os outros Ministérios, para além dos das Finanças e Economia, estão ao serviço desta nobre causa. O défice é o grande pretexto mediático para roubar descaradamente quem trabalha, mas continua no entanto a acreditar nas patranhas simplórias que a comunicação social vai remoendo, sem levantar ondas de fundo que poderiam, perigosamente, acordar as mentes adormecidas da doce alienação em que sonham com o partido e o clube da sua preferência, esperando que eles salvem os seus fiéis.

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