sábado, 30 de outubro de 2010

De Wall Street à periferia de Maputo


Dos protestos populares que tiveram lugar nos bairros da periferia de Maputo no início de Setembro, a opinião pública portuguesa, mesmo a mais informada, ter-se-á apercebido apenas de um reduzido número de elementos: a causa da insatisfação generalizada (o aumento dos preços do arroz, pão e outros bens essenciais); a intensidade dos protestos e a violência da repressão policial subsequente (que causou 13 mortos e centenas de feridos); e o desfecho, desta feita favorável às pretensões dos manifestantes (o anúncio, por parte do governo moçambicano, de 25 medidas visando reduzir o custo de vida, entre as quais o congelamento do preço dos produtos alimentares em causa).

Difíceis ou impossíveis de descortinar por entre a espuma dos dias, tal como habitualmente veiculada pela maior parte da comunicação social, foram os factores estruturais subjacentes a este episódio. E estes foram, e são, de diversa ordem. Paulo Granjo, num excelente artigo na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique (Outubro), chama a atenção para um dos aspectos da questão: o cisma entre a maior parte da população moçambicana e a classe política. Uma crise de representatividade no contexto de uma economia e de uma sociedade crescentemente duais, em que o progressivo desmantelamento das estruturas de solidariedade comunitárias e tradicionais não se tem feito acompanhar pelo preenchimento, por parte do Estado “moderno”, das funções sociais que dele são esperadas.

Porém, o facto da cadeia ter quebrado precisamente pelo elo dos preços dos produtos alimentares, tem, ele próprio, causas estruturais mais amplas. Recuemos no tempo até 2008, àquela que foi uma crise alimentar mundial de proporções inusitadas – por mais que tal possa ter passado em grande medida despercebido nos países do ‘Norte’. Nessa altura, o aumento dos preços dos alimentos reflectiu-se, por exemplo, no facto do índice de preços alimentares da FAO - um índice compósito que incorpora os preços internacionais dos cereais, arroz, açúcar, óleos e gorduras, leite e derivados e carne – ter quase duplicado face ao valor de 2003-2004. Entre as consequências, um acréscimo em mais de 150 milhões no número de pessoas em situação de fome a nível mundial, para além de protestos ou motins em mais de 30 países - como recorda este artigo do The Guardian.

Ora, após um período de relativa acalmia, estamos novamente perante a iminência de uma nova crise mundial dos preços dos alimentos - de que os tumultos de Maputo terão constituído um dos primeiros sintomas. O índice da FAO está já muito próximo do nível de 2008 e são já muitas as vozes que alertam para o perigo iminente e para as suas potenciais consequências.

Tanto em 2008 como agora, quais as causas destes aumentos dos preços dos alimentos? Johnston e Bragawi, do Centre for Development Policy Research de Londres, enumeram-nas neste resumo de um simpósio sobre o tema. Algumas são conjunturais: choques climáticos, como secas ou inundações. Mas as principais são de natureza estrutural. Falarei de algumas delas em próximas postas. Para já, assinalo apenas que, em lugar de destaque, surge a crescente entrada de fundos especulativos no mercado internacional dos produtos alimentares. Muito longe de contribuir para qualquer suposta “eficiência” na determinação dos preços, neste como noutros mercados, a combinação de açambarcamento e especulação associada à penetração do capital financeiro tem, nesta como em muitas outras áreas, consequências sociais e humanas devastadoras. Da ganância bolsista ao desespero nas periferias do Sul, vai apenas um passo: o descontrolo e desregulação dos mercados.

2 comentários:

  1. Da generalização das causas bolsistas, à falta de preparação para o futuro e ao desespero nas periferias do Sul, vai apenas um passito

    Reservas alimentares queimadas como combustível ou dadas como ração num mercado de consumo de proteína animal que está em crescendo, são a principal causa

    a especulação é apenas uma antecipação do que virá em 5 ou 10 anos
    no fim de 2012 ou no ano a seguir seremos 7.000milhões
    os 100mil mortos suplementares no Paquistão neste Outono e INverno são um indicador desta falta de previsão e do esgotamento local das reservas

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  2. Caro Alexandre Abreu,
    Vou fazer link.
    Obrigado.
    Abraço.

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