“Face à depressão da procura agregada na Europa e nos Estados Unidos, os governos viram-se naturalmente para os mercados exportadores para aliviar o desemprego interno. Mas os países não podem ter todos, simultaneamente, excedentes comerciais. A tentativa de os alcançar levará a uma depreciação competitiva da moeda e ao proteccionismo.
Como Keynes, inteligentemente, observou, ‘se as nações aprenderam a alcançar o pleno emprego como políticas domésticas… não existiria um motivo para que um país precisasse de impor os seus produtos a outros ou rejeitar as ofertas dos seus vizinhos’. O comércio entre países ‘deixaria de ser o que é, um recurso desesperado para manter o emprego em casa forçando as vendas nos mercados estrangeiros e restringindo as compras’. Em vez disso, passaria a ser um ‘intercâmbio voluntário e sem impedimentos de bens e serviços em condições de vantagem mútua’.
Por outras palavras, a actual turbulência relacionada com as moedas e o comércio é o resultado directo do nosso falhanço em resolver os nossos problemas de emprego.”
Robert Skidelsky no Negócios. É um dos mais lúcidos economistas ou não fosse ele o principal estudioso do pensamento de Keynes. Isto permite-me sublinhar um ponto: a actual configuração da globalização pode bem estar em processo de autodestruição devido à austeridade generalizada, que alimenta o desemprego e erode o Estado Social. Acontece que um Estado social robusto, segundo indica alguma investigação empírica, é uma condição para a legitimidade da abertura comercial. Os neoliberais têm de ter cuidado com o que desejam.
A liberalização financeira e a abertura comercial desregrada são o problema. A refragmentação da economia global poderá ser necessária para que possam emergir modelos com maior enfâse na procura e na criação de emprego. Não resisto a invocar Keynes:
“Simpatizo com aqueles que querem minimizar, em vez de maximizar, as interdependências económicas entre as nações [ou os blocos regionais…]. Ideias, conhecimento, ciência, hospitalidade, viagens – estas são as coisas que, pela sua natureza, devem ser internacionais. Mas deixemos que os bens sejam produzidos localmente sempre que seja razoável e conveniente, e, sobretudo, asseguremos que a finança seja nacional. No entanto, aquele que querem reduzir as interdependências devem ser lentos e cautelosos. Não se trata de arrancar a planta pela raiz, mas de orientá-la lentamente para que cresça noutra direcção.”
Os acordos de Bretton Woods, que fixaram o quadro do pós-guerra, parcialmente inspirados pelas ideias de Keynes, previam mecanismos de controlo de capitais (a finança nacional) e criaram condições para que os países definissem o seu espaço de desenvolvimento através de uma abertura comercial gerida (orientar a planta). Só faltou o crucial bancor, parte de um projecto de gestão politica supranacional que evitasse a acumulação de défices e de superávites comerciais persistentes.
Temos de imaginar soluções razoáveis e convenientes para o trilema da economia política internacional e para a insustentável acumulação de brutais desequilíbrios, expressão da perversa configuração da globalização. A planta europeia também deveria poder crescer noutra direcção, antes que alguém a arranque. O proteccionismo pragmático é um bom antídoto contra a emergência da xenofobia e do nacionalismo agressivo, filhos das utopias (neo)liberais…
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