quinta-feira, 6 de maio de 2010

Crise VII - Pensar o impensável

No actual contexto político de consenso à volta do PEC como única saída para crise é quase inevitável cair no “Medina-Carreirismo” do caminho para o abismo. As soluções estruturais para a crise passam pela refundação das instituições europeias tantas vezes repetidas por aqui: reforço do orçamento europeu e da sua componente redistributiva, política monetária europeia virada para o crescimento, harmonização social e fiscal, introdução de títulos de dívida europeus, etc. Em suma, as propostas que muitos economistas, nas margens da profissão, andam a defender há mais de uma década. Tiveram razão antes do tempo…

Contudo, face à urgência da actual crise, vale a pena pensar o que ainda há pouco tempo parecia impossível, mesmo no plano da teoria económica: Porque não pôr o BCE a comprar os títulos de dívida pública? Este mecanismo, proibido estatutariamente, traduz-se na simples emissão monetária, tendo como contrapartida os títulos emitidos pelos Estados que pagariam a taxa de juro definida pela autoridade monetária. Em suma, não seria mais do que dar aos Estados o bem sucedido tratamento providenciado aos bancos comerciais aquando da crise de 2007-09. Estaríamos só a eliminar os intermediários do actual financiamento dos Estados, os bancos comerciais, que agora se financiam junto do BCE quase gratuitamente. Parece justo e razoável, não?

Para os economistas convencionais tal política é pura heresia. A moeda é tida como exógena em relação à economia. Qualquer aumento da massa monetária traduzir-se-ia imediatamente em inflação. Ficaria tudo na mesma, com mais um novo problema. No entanto, esta ideia, tão querida do papa da economia neo-clássica, Milton Friedman, devia estar já enterrada à luz do que aconteceu nos últimos dois anos (para perceber como estas ideias estranhamente sobrevivem, leia-se o artigo «Esta Economia para quê?» (José Castro Caldas) no Le Monde Diplomatique de Abril). Face à crise global, as extraordinárias injecções de liquidez dos bancos centrais nos bancos comerciais tiveram, quanto muito, o desejado efeito de prevenir uma espiral deflacionista. É pois inverosímil uma espiral inflacionista nas actuais condições na zona euro. Para um entendimento diferente da moeda, endógena à economia, vale a pena ler este artigo do economista pós-keynesiano Thomas Palley, cuja conceptualização tem muito maior aderência à actual realidade, mas que continua marginalizada nos departamentos de economia. Outro argumento contra, possivelmente invocado por economistas de bona fide, seria que embora tal mecanismo funcionasse no actual contexto, estaria a criar um precedente. No futuro, existiriam certamente abusos. A minha resposta é que tudo depende das regras fixadas e que, passada a actual crise, se embarcasse nas propostas acima citadas que tanto andamos a repetir. O último argumento contra seria que este mecanismo, embora acabasse com a especulação nos mercados de dívida pública, simplesmente transferiria os ataques para a moeda única, colocando-a em risco. Bem, em risco já ela está neste momento. Mas mesmo assim, não é comparável a vulnerabilidade de um país como Portugal ou a Grécia face ao conjunto da economia da zona euro. Além disso, o euro é hoje a segunda moeda de reserva internacional, a inexistente concertação interna à Europa existiria certamente ao nível global no sentido de lhe garantir estabilidade.

Adenda: Juro que só li esta notícia do Financial Times depois de escrever o post. Há coincidências...Ou não. Entretanto, Trichet já veio desmentir qualquer intenção de comprar dívida.

7 comentários:

  1. Excelente artigo, parabens.

    Alguém o ouça.

    um abraço

    A.Küttner

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  2. Eu aconselhava o Nuno Teles a LER primeiro o que as pessoas dizem antes de as criticar. Pegue no livro "Free to Choose", leia-o, e verificará que o Milton Friedman diz lá claramente que o efeito dessas injecções paliativas de moeda só se verificam cerca de dois anos após. Como claramente perceberá, neste cenário de crise mundial, onde o "V" do PQ=MV está em queda, tal até poderá demorar mais (esta análise já é minha). E não me venha com a treta de que o MF dizia que V era constante, por que nunca o disse, simplesmente utilizava o conceito Ceteris Paribus, que serve para se perceber inter-relações entre variáveis, você certamente compreenderá, por motivos demagógicos é que poderá não querer assumir.
    Portanto, quando daqui a uns tempos as pessoas começarem a ficar asfixiadas pelos juros elevados de combate à inflação, quero ver se o Nuno é homem suficiente para assumir ao que tal se deve.

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  3. Caporegime

    A macroeconomia monetarista tornou-se, para si e para muitos, doutrina religiosa.
    Falta-lhe a credibilidade científica que só pode vir do confronto com o real e do juízo crítico dos pares.
    De acordo com estes critérios, as ideias de Milton Friedman são apenas ideologia.

    O drama é que os cegos pela ideologia neoliberal tornaram-se um perigo para a sobrevivência das sociedades contemporâneas.

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  4. Pois, a hiper-inflação Alemã de 1923 é apenas um mito académico da teoria monetarista. Ou então na actualidade, a inflação a 30% na Venezuela é outro mito académico monetarista. Ou o crescimento a dois digitos dos salários na China e na Índia após a abertura aos mercados é outro mito académico monetarista.

    Mas a questão nem era essa. A questão é que o Nuno Teles faz a seguinte afirmação MENTIROSA: “Qualquer aumento da massa monetária traduzir-se-ia IMEDIATAMENTE em inflação”.
    EU LI o que o Milton Friedman escreveu e ele diz claramente que a inflação pode apenas se verificar cerca de dois anos após a impressão massiva de moeda.
    Portanto, por 1+2, o Nuno Teles é um demagogo inflacionário que, para tal, gosta de fazer afirmações inverosímeis…
    Mas deixo um pensamento… se com a maior crise de que há memória a Europa ainda registou inflação.. imaginem o que acontecerá quando a economia começar a engrenar…

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  5. hoje vão decidir injectar o dinheiro que for necessário para salvar o euro.
    os especuladores esfregam as mãos,
    pq os dolares vão valer mais.
    agora temos a certeza que os ataques vão gerar a injecção de mais dinheiro para salvar o euro logo vale a pena atacar.
    eles deviam proibir o short selling que é a aposta que um activo vai baixar de preço
    é vender caro para depois ir comprar barato.

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  6. não entendo como é que criam a moeda unica mas deixam dividas publicas independentes...

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  7. PQ = MV

    O M aumentou de forma colossal e o Q diminuiu, logo se o P ainda não disparou (alias no UK já está a disparar) porque terá sido?

    Porque o V diminuiu! Precisamente!

    O dinheiro que não está a ser transacionado parece que não existe e portanto não provoca inflação. Com os bancos a utilizarem o dinheiro dos bailouts para investir em divida publica e para emprestarem a outros bancos, este dinheiro demora a atingir a economia real. Adicionalmente, o facto de em tempo de crise de adiarem decisões de investimento e grandes decisões de consumo, também não ajuda à velocidade de circulação do dinheiro.

    No entanto não se iludam, o dinheiro que foi injectado atingirá inevitavelmente a economia real e a inflação disparará. É apenas uma questão de tempo. É fatal como o destino.

    "Falta-lhe a credibilidade científica que só pode vir do confronto com o real e do juízo crítico dos pares."

    Não existe de facto uma formula para V, o tempo que a injecções monetarias demoram a atingir a economia varia. Quanto ao confronto com real, a história está cheia de exemplos do "belo" resultado das injecções monetarias.

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