A discussão sobre o programa de estabilidade em Portugal está reduzida ao debate que questiona as medidas tomadas enquanto suficientes para convencer os mercados e a Comissão Europeia da determinação do Governo em cortar despesa pública. A redução do défice passou, novamente, a ser o grande desígnio nacional. O desemprego, que Sócrates considerava no longínquo ano de 2007 o principal problema nacional, deixou de ser notícia. São raras as vozes que furam este consenso. O excelente texto«Economia e sustentabilidade: sobre o PEC e o governo progressista das sociedades» (José Reis) , publicado no Le Monde Diplomatique de Abril, é uma das poucas excepções que se soma ao muito que tem sido escrito neste blogue.
No entanto, vale sempre a pena repetir que, do ponto de vista nacional, a margem de manobra é reduzida face aos ataques especulativos. Os cortes na despesa pública não resolvem o problema do défice e da dívida pública. Com o investimento privado retraído e uma economia internacional estagnada, só o investimento público, bem calibrado na identificação dos nossos bloqueios, pode devolver à economia o crescimento económico necessário á diminuição do desemprego e resolução dos desequilíbrios das contas públicas de forma sustentável. A melhor prova de que esta receita não funciona está em olhar para trás para a última década perdida, em que o Estado, na ânsia de reduzir o défice, foi cortando investimento público e congelando salários, condenando a economia a um crescimento medíocre que nunca permitiu diminuir o défice de forma sustentável. Tal não invalida o muito que há muito a fazer no que toca à forma como o Estado recolhe receitas e afecta a despesa (como é que nenhum jornal se deu conta deste trabalho do Ricardo Mamede? devo andar distraído).
Todavia, este PEC não deve ser tomado como mero exercício de austeridade inútil. O que se propõe com as novas regras de atribuição do subsídio de desemprego (cujo impacto orçamental Sócrates ainda há uma semana confessava desconhecer), o “plafonamento”das prestações sociais e o congelamento de salários da função pública é uma efectiva pressão sobre os salários. Com o desemprego a crescer, aumenta a violência sobre os mais vulneráveis para aceitarem qualquer trabalho a qualquer preço. Ser patrão torna-se mais fácil. Acrescente-se o plano de privatizações que incide sobre empresas de bens não transaccionáveis, com pouca ou nenhuma concorrência e com lucros garantidos, e temos a receita para uma formidável redistribuição de rendimento, onde são os mais pobres que pagam a factura.
Dir-me-ão que não há alternativas e que, face à crise, só com uma redução dos salários podem as nossas PMEs sobreviver. Não é verdade. Face à estratégia, racional do ponto de vista individual, de redução dos custos laborais, estas estratégias das empresas resultarão, no seu conjunto, numa redução da procura dos seus produtos. E, no entanto, medidas como a promoção do crédito à PMEs por parte do nosso banco público, a CGD, que revelariam mero bom senso no actual contexto, aparecem excluídas do debate público.
De facto, nem tudo o que está no PEC tem que ser louvado, bem pelo contrário.
ResponderEliminarSendo importante , talvez , de uma vez por todos conseguirmos distinguir Patrão, de Gestor/Empresário.
O Patrão,e ainda existe não tem escrupulos, o Gestor/Empresario já vai tendo.
Claro que muito há a fazer , mas muito do que sugere no texto seguinte, poderia ajudar!
E talvez não entrarmos, já em panico. Esperemos a ver se ainda, ainda, conseguimos...
a.Küttner
"a última década perdida, em que o Estado, na ânsia de reduzir o défice, foi cortando investimento público e congelando salários, condenando a economia a um crescimento medíocre que nunca permitiu diminuir o défice de forma sustentável"
ResponderEliminarEm primeiro lugar, na ultima decada não houve nenhum esforço serio para reduzir o defice nem a divida publica, como alias continua a não haver hoje em dia.
Em segundo lugar a ausencia de crescimento não se deve às medidas de pseudo-austeridade nem ao congelamento de salarios. A ausencia de crescimento deve-se à improdutividade brutal dos factores de produção em portugal.
As economias crescem quando aumenta a produção de bens e serviços, e não apenas porque aumenta o consumo. Um aumento do consumo sem paralelo no aumento da produção, leva apenas a uma situação insustentavel em que as pessoas consomem muito mais do que produzem, sendo esse excesso de consumo financiado primeiro por uma menor poupança (o que implica menor investimento e menor consumo no futuro) e em segundo lugar, quando não há mais poupança para desbaratar, pede-se emprestado ao estrangeiro.
Por ultimo a ideia de a CGD emprestar dinheiro a PMEs sem olhar ao risco, para além de absurdo, é uma atitude criminosa e ao mesmo tempo uma desorçamentação.
Se querem dar subsidios, que os dêem a partir do orçamento de estado e assumam a responsabilidade politica da despesa.