Os países mais ricos, com moedas que servem de reserva internacional, financiaram-se indirectamente através da emissão monetária: as autoridades monetárias injectaram biliões de dólares, euros e libras, a uma taxa de juro próxima do zero, no sistema financeiro, que por sua vez correu a investir nos seguros títulos de dívida pública destes países. Formidável negócio onde se pede emprestado a entidades públicas sem pagar juro e se empresta ao Estado a uma taxa 2, 3, 4% mais alta. É por isso fácil perceber a extraordinária e rápida recuperação do sistema financeiro internacional. Para estes Estados, por mais ruinoso que este negócio possa parecer, o custo da recuperação dos bancos parece ser tolerável, graças às, ainda assim, historicamente baixas taxas de juro que têm que pagar pela sua dívida. Além disso, este esquema de empréstimos indirectos através dos bancos comerciais permitiu preservar a arquitectura institucional que proíbe os bancos centrais de emprestar directamente aos Estados.
Os países do Sul da Europa, ao fazer parte do euro, deveriam ter beneficiado do mesmo esquema de financiamento. Tal não aconteceu. Porquê? Duas grandes razões que vão além da explicação convencional das contas públicas. A primeira, já muito repetida neste blogue, é a integração monetária que impõe uma moeda única, determinada pelas necessidades da economia alemã, sem qualquer mecanismo de compensação e estabilização num espaço económico muito heterogéneo. Se posso ter títulos de dívida em euros de países economicamente mais robustos, como a Alemanha, porque é que hei-de investir nos títulos portugueses, apoiados numa economia frágil e estagnada? Só com uma taxa de juro mais alta.
O segundo motivo encontramos-lo no comportamento do BCE durante a crise. Na ânsia de salvar os bancos europeus, o Banco Central Europeu forneceu títulos de curto prazo aos bancos comerciais como forma de aumentar a sua liquidez e facilitar a “limpeza” dos seus balanços. No entanto, estas injecções de liquidez resultaram na menor procura dos bancos de títulos de longo-prazo, como são tipicamente os títulos de dívida pública. Adicionalmente, o BCE começou a aceitar todo o tipo de activos privados como garantia para os seus empréstimos, diminuindo a necessidade dos bancos de deter títulos públicos. Os grandes bancos europeus, alemães e franceses na sua maioria, na quase falência ainda há uns meses, adquiriram uma posição de força face a economias pequenas sedentas de financiamento (como a nossa), obrigando-as a pagar taxas de juro muito mais elevados. O resultado é, mais uma vez, um excelente negócio para o capital financeiro, que obriga os Estados português, grego e espanhol a pagar a factura da sua reestruturação pós-crise e evita que os países mais ricos se metam em mais trabalhos com o seu sistema financeiro.
O gráfico foi retirado, mais uma vez, daqui.
Percebo muito pouco de economia e através de um amigo, que percebe, vim parar a este blogue, mas por esta explicação qualquer um percebe o que realmente se passa no mundo. Parabéns pelo blogue e este artigo está magnífico.
ResponderEliminar"porque é que hei-de investir nos títulos portugueses, apoiados numa economia frágil e estagnada? Só com uma taxa de juro mais alta."
ResponderEliminarExacto, não lhe parece que faz sentido? Se estou a investir num activo mais arriscado, como é o caso da divida dos PIIGS, devo ter um retorno que compense esse risco.
Aliás no caso da grécia e de portugal, nem há subida de taxa de juro que chegue. Não se devia pura e simplesmente emprestar dinheiro nenhum a este paises, uma vez que estes obviamente não podem pagar nem sequer as dividas que ja têm.
Estou plenamente de acordo com a critica às soluções que foram adoptadas para resolver a crise financeira, nomeadamente condeno as injecções de liquidez sem qualquer accountability por parte das instituições que as receberam.
É verdade que esta crise e as suas soluções precipitaram a situação que se vive nos PIIGS. No Portugal e a Grecia ja eram economias estagnadas e já se estavam a endividar a um ritmo completamente insustavel muito antes da crise.
Por ultimo, sair do euro e imprimir dinheiro, será uma consequência inevitavel para a Grecia, Portugal e eventualmente outros. No entanto isto não é uma boa solução, mas sim uma catastrofe. O ajuste por via da inflação é sempre o mais destrutivo, a história está cheia destes exemplos.