sexta-feira, 14 de maio de 2010
Até sempre, Zé Luís
Hoje acordei com a triste notícia da morte do José Luís Saldanha Sanches. Quem esteve envolvido nas lutas políticas em Lisboa nas décadas de 1960 e 1970 (não é o meu caso), associa-o invariavelmente à dissidência com o PCP, aos primeiros anos do MRPP, aos protestos estudantis contra o antigo regime e às histórias da prisão. Para quem apenas o conheceu através dos jornais, ele era um professor de Direito especialista em questões fiscais (ocasionalmente envolvido em polémicas - era um dos ódios de estimação da direita de Portas e Monteiro). Para mim, que tive o privilégio de o conhecer de perto, o Zé Luis era um sujeito singular. A sua forma algo atabalhoada, por vezes quase imperceptível, de falar contrastava com a convicção com que defendia as suas ideias. A pacatez da sua postura física contrastava com vários relatos que ouvi de uma coragem física rara quando se tratava de enfrentar a polícia nos tempos da outra senhora. Como muitos da sua geração, renegou os ideais de revolução da sua juventude; mas contrariamente a muitos desses, nunca se entregou ao carreirismo ou ao oportunismo. O cinismo (saudável) que revelava quanto à integridade moral de uma parte muito substancial daqueles que se ocupam da coisa pública, nunca o levou a desistir de dar a cara por uma sociedade mais decente. Pertencia a uma espécie rara de liberais de esquerda, desconfiado das más utilizações que se fazem do Estado, ao mesmo tempo empenhando-se política e profissionalmente na busca de soluções concretas para combater as várias práticas (corrupção, tráfico de influências, evasão fiscal) que erodem a capacidade do Estado enquanto garante do controlo democrático dos mercados. Contribuiu como poucos para a denúncia dessa vergonhosa mega-fraude fiscal que é o offshore da Madeira e desde o início que esteve ao lado da defesa da tributação das transacções financeiras internacionais. Houve, assim, muitos momentos neste blog em que convergimos com as suas posições, outros nem por isso. Num caso ou noutro, o Zé Luís sempre nos reservou uma grande dose de simpatia e lamento profundamente não poder contar mais com ela.
Muito infeliz e grosseira, essa referência aos "ódios de estimação". O "Zé Luís" não merecia isso e nunca o faria, que foi um grande homem. Mas é tão típico da esquerda caviar este tipo de golpe baixo. Além de que os principais ódios nem viriam daí. Que falta de respeito!
ResponderEliminarMuito grosseira, infeliz e desrespeitosa é essa mania de debater com base em anátemas, mais ainda num momento destes. Se não sabe do que escrevo, fique calado. Eu sei. Fique com a sua memória, que eu fico com a minha.
ResponderEliminarRicardo, o José Luís não renegou ... a revolução é que, por múltiplas razões, deixou estar na agenda de toda a esquerda desde finais dos anos 1970*. JLSS era um homem que lutava sempre corajosamente pelo que acreditava. Até sempre Grande José Luís.
ResponderEliminar* Podemos discutir isto um dia destes
A vida tem esta coisa complicada com que não sabemos bem lidar que é a morte, a degradação, o deixar de se estar bem, para se ficar mal, até se acabar.
ResponderEliminarEspero, desejo, que no minimo tenha sofrido o menos possivel,nem tudo terá sido maravilhoso, mas é um balanço de vida, por certo positivo.
Fica a memória, fica a Obra, fica a familia!
Augusto Küttner de Magalhães
Reconheço a sua craveira técnica e respeito-o,principalmente nesta hora de sofrimento para a família,mas ás vezes ao ouvi-lo na TV achava-o muito irritante,com aquele jeito de quem sabia de tudo!
ResponderEliminarParava sempre que ele aparecia na TV. Gostava de o ouvir, respeitava-o, até as suas idiossincrasias.
ResponderEliminarLamento imenso o seu desaparecimento, cada vez mais só cá fica a porcaria.
pf
É um belo texto este, comovente e afectivo. Gostei muito.
ResponderEliminarA Internet (blogs, comentários, et caetera) tem destas coisas: permite-nos alargar quase infinita e e invisivelmente os interlocuores para sermos 'ouvidos' por um abstracto 'auditório'; mas também nos expõe facilmente à alarvice, aos julgamentos e à incompreensão ignorante dos outros. Se é sempre difícil lidar com essa estranheza agressiva, é-o provavelmente ainda mais numa altura destas.
Eu gostei muito do texto.
Era um dos poucos comentadores com qualidade que havia na comunicação social deste país.
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