O PEC, a Europa e a Política
A elaboração de um Programa de Estabilidade e Crescimento para o período 2010-2013 foi certamente um exercício difícil para o governo e compreende-se que as margens de escolha política sejam estreitas. Para isso contribui a sujeição em que se encontra o financiamento dos Estados e das economias deficitárias, exclusivamente dependente dos mercados financeiros internacionais e da lógica especulativa que aí domina. Como tem sido bem demonstrado pelo relevo assumido pelas agências de rating e pelos fundos privados, os espaços de soberania estão totalmente à mercê da desregulada soberania da especulação e do poder privados.
Quer isto dizer que se admite que a principal fragilidade do PEC português reside, porventura, em realidades que transcendem o documento e a própria decisão governamental. Mas é igualmente indiscutível que, independentemente destas considerações, o PEC português tem opções controversas, orientações desequilibradas e consequências injustas e assimétricas.
O primeiro ponto a merecer atenção é o que diz respeito aos rendimentos que se penalizam quando se trata de distribuir sacrifícios. Como é bem sabido, decidiu-se com peculiar clareza e proclamada coragem quando se tratou de congelar salários e de introduzir tectos nas despesas sociais: como se, em geral, os assalariados fossem privilegiados em Portugal e como se a situação da economia e da sociedade deixasse antever que é possível abrandar os apoios de que os excluídos e os mais desprotegidos necessitam. Ao invés, esta demonstração “corajosa” não se nota quando estão em causa outros rendimentos. Apesar do novo escalão do IRS, o PEC revela-se cerimonioso, ou mesmo reverente, perante os grandes lucros, a começar pelos do sector financeiro, a quem não é pedido sequer uma participação relevante no esforço, quanto mais um sacrifício. Ora, segundo dados publicados pela Comissão Europeia, o envolvimento do Estado português em apoios ao sector financeiro tem sido elevadíssimo desde 2005.
Pode dizer-se que o Programa de Estabilidade e Crescimento é, essencialmente um Programa de... Estabilidade. Quando se contraem os salários e os rendimentos dos desfavorecidos e se reduz o investimento – bases essenciais da procura – a atenção à economia, isto é, à capacidade para estimular a criação de riqueza e de emprego dilui-se. Não é possível ver nisso senão um sinal negativo para os que produzem, criam emprego e, portanto, esperam que exista procura. Ninguém que tenha preocupações com o risco deflacionista que paira sobre as economias fica tranquilo.
É certo que se aposta nas exportações. Mas é aí que o problema da lógica económica do PEC revela a sua imensa fragilidade. Numa Europa em que todos os países parecem seguir a mesma lógica, numa solidão individual insustentável, qual o destino de tanta exportação se todos tendem a reduzir as suas respectivas capacidades de compra? Convém não esquecer que a UE acolhe mais de ¾ das exportações portuguesas.
Ora, é justamente aqui que interessaria discutir a capacidade europeia para, em conjunto, lançar um programa de relançamento económico (e não de contracção). Um programa que dependeria de três coisas essenciais: uma forte iniciativa política mais igualitária e mais comprometida com os cidadãos e com uma intervenção real de qualificação da economia e da sociedade (e não o incipiente e abstracto programa da Comissão para 2020); um quadro orçamental radicalmente diferente do que tem vigorado na UE, que limita a capacidade comunitária a cerca de 1% do PIB total; uma revisão profunda do papel do BCE, que actualmente financia os fundos privados que compram as obrigações dos tesouros nacionais, renovando-lhes a capacidade para especularem, mas não financia os próprios Estados.
É aos Estados que cabe um papel essencial no desencadear desta capacidade europeia, tão inexistente e tão necessária. Mas, infelizmente, esses Estados auto-fragilizam-se. Desde logo, como acontece entre nós, fragilizando a Administração Pública. Depois, fragilizando a economia e a sociedade, como acontece com o plano de privatizações apontado pelo PEC, que é insensato e injustificado: cria brechas em domínios cruciais da esfera pública (iniciando a desagregação dos CTT ou do universo da CGD), abre mão de dividendos de empresas lucrativas, põe em risco domínios de regulação pública essenciais. De facto, parece que o governo procura apenas obter com a venda do património público valores que permitam repor o que foi gasto no financiamento do sector financeiro.
É por tudo isto que interessa intensificar o debate político acerca das opções económicas e orçamentais, assim como sobre as questões europeias. O debate político está aí. A todos os propósitos e também sobre a eleição presidencial. É também daqui que interessa que surjam contributos. Estes são assuntos que devem convocar a cidadania.
Plenamente de acordo
ResponderEliminar"Ora, é justamente aqui que interessaria discutir a capacidade europeia para, em conjunto, lançar um programa de relançamento económico (e não de contracção). Um programa que dependeria de três coisas essenciais: uma forte iniciativa política mais igualitária e mais comprometida com os cidadãos e com uma intervenção real de qualificação da economia e da sociedade (e não o incipiente e abstracto programa da Comissão para 2020); um quadro orçamental radicalmente diferente do que tem vigorado na UE, que limita a capacidade comunitária a cerca de 1% do PIB total; uma revisão profunda do papel do BCE, que actualmente financia os fundos privados que compram as obrigações dos tesouros nacionais, renovando-lhes a capacidade para especularem, mas não financia os próprios Estados."
ResponderEliminarEm resumo, nada de austeridade e vamos lá esbanjar ainda mais, e tal qual cereja no topo do bolo, temos o BCE a financiar a brincadeira. Já que os estados da zona euro já não podem dar largas à impressora, que o faça o BCE!
O que este pessoal que se diz economista se recusa a perceber é que os recursos não são infinitos!
E o dinheiro apenas representa os activos que existem nas respectivas economias. Recursos estes que são finitos.
Ora o dinheiro dos estados também não é infinito! Quando os estados precisam de mais dinheiro do que aquele que já recebem, ou cobram mais impostos, ou imprimem dinheiro. Sendo que imprimir dinheiro implica um imposto inflação, pois continuam a existir os mesmos activos na economia mas existe agora mais dinheiro para os representar, e o estado que imprimiu o dinheiro tem agora uma percentagem maior do dinheiro total em circulação.
O que alguns dos autores deste blog parecem defender é que o estado não implemente medidas de austeridade claras e transparentes, mas que em vez disso vá roubar as pessoas às escuras através do imposto inflação. E não se iludam, são sempre os mesmo que pagam as crises, porque até ao imposto inflação os ricos podem fugir, por exemplo comprando divisa estranjeira e contraindo empréstimos denominados em moeda nacional.
Mas o que é ainda mais grave é que "resolver" a crise através do imposto inflação não resolve nada e não elimina a necessidade da austeridade clara e transparente. Isto acontece porque, ainda que inicialmente os governos consigam arrecadar algum dinheiro com o imposto inflação, ao fim das primeiras expansões monetarias os agentes economicos começam a antecipar a "jogada" e a inflação dispara para niveis tão absurdos que torna o dinheiro completamente inutil. E é neste ponto, quando os governos vêm esgotada a possibilidade de fazer mais expansoes, que começam as medidas de austeridade a sério!
A história está cheia de exemplos, muitos deles bem recentes, dos resultados destas politicas!