Quem leu o excelente Mitos e Paradoxos da História Económica de Paul Bairoch não se espanta com os resultados da mais recente e insuspeita (de simpatias “proteccionistas”…) investigação económica: o chamado proteccionismo foi uma reacção, com ampla variação nacional, à Grande Depressão e não a sua causa. Gosto deste resultado aparentemente paradoxal: os países que mais tempo persistiram nessa instituição charneira do liberalismo clássico, o padrão-ouro, tenderam a aumentar mais as tarifas alfandegárias. Coisas que acontecem: o liberalismo económico puro e duro tende a autodestruir-se e nunca é bonito de ver.
Aqui vai outro resultado só aparentemente paradoxal: a robustez do Estado, em especial do Estado Social, parece estar associada aos processos de abertura comercial. Protecções há mesmo muitas. Jacques Sapir, que esteve recentemente em Portugal, sistematiza aqui alguma da literatura económica que já tinha demolido o mito liberal: o colapso do comércio internacional seguiu-se ao colapso das economias e a recuperação destas foi sobretudo orientada pela procura interna no quadro de protecções que não podem ser confundidas com autarcia e que não representaram uma ruptura assim tão grande com padrões anteriores. Não resisto a invocar um artigo de Keynes, um pragmático que ajudou no enterro intelectual e político do chamado liberalismo clássico nos anos trinta:
“Simpatizo com aqueles que querem minimizar, em vez de maximizar, as interdependências económicas entre as nações [ou os blocos regionais…]. Ideias, conhecimento, ciência, hospitalidade, viagens – estas são as coisas que, pela sua natureza, devem ser internacionais. Mas deixemos que os bens sejam produzidos localmente sempre que seja razoável e conveniente, e, sobretudo, asseguremos que a finança seja nacional. No entanto, aquele que querem reduzir as interdependências devem ser lentos e cautelosos. Não se trata de arrancar a planta pela raiz, mas de orientá-la lentamente para que cresça noutra direcção.”
Os acordos de Bretton Woods, que fixaram o quadro do pós-guerra, parcialmente inspirados pelas ideias de Keynes, previam mecanismos de controlo de capitais (a finança nacional) e davam amplo espaço para os países definirem o seu espaço de desenvolvimento através de uma abertura comercial gerida (orientar a planta). Só faltou o crucial bancor, parte de um projecto de gestão politica supranacional que evitasse a acumulação de défices e de superávites comerciais persistentes.
Temos de imaginar soluções razoáveis e convenientes para o trilema da economia política internacional e para a insustentável acumulação de brutais desequilíbrios, expressão da perversa configuração da globalização. A planta europeia também deveria poder crescer noutra direcção, antes que alguém a arranque. Uma tese a desenvolver: o proteccionismo pragmático é um bom antídoto contra a emergência da xenofobia e do nacionalismo agressivo, filhos das utopias liberais…
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