quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A vertigem sectária da esquerda mínima (I)

Em “A moral e a política”, Rui Pena Pires, vem lembrar que “Em rigor, convinha não confundir a esquerda com um saco de gatos anticapitalistas, esquecendo que há uma crítica reaccionária do capitalismo que de esquerda nada tem.” Embora não tenha sido capaz de assumir com clareza o queria dizer, como juntou isto num comentário sobre uma posta minha neste blogue (ver a seguir: “A vertigem sectária da esquerda mínima (II)”) suponho que queria rebater alguns pontos de um artigo meu no Público (16/2/09), “A identidade ideológica do PS (de novo) em redefinição?”.

E que disse eu no citado artigo do Público? Primeiro, disse que de acordo com as percepções dos eleitores de 19 países da UE entrevistados no European Election Study 2004, o PS é um dos partidos socialistas menos ancorados à esquerda da sua família política (isto é, os socialistas e social-democratas agrupados no PSE) – dados estes que são recorrentes desde finais dos anos 1980. Especificando, em 18 países da UE (isto é, retirando o Chipre, em que o maior partido de esquerda são os renovadores comunistas do AKEL), o PS é o quarto partido daquela família que se situa mais à direita. Não é a minha opinião, são dados recolhidos através de inquéritos por questionário junto de amostras representativas da população com 18 e mais anos em cada país. E desses dados (em vários estudos feitos pelo menos desde os anos 1980) sabemos também que, em primeiro lugar, a distância que separa o PS do PSD é das mais curtas no conjunto da UE (entre os dois maiores partidos, um de cada área ideológica) e, em segundo lugar, que os eleitores (tal como os politólogos inquiridos em vários expert surveys – veja-se, por exemplo, Benoit, Kenneth, and Laver, Michael, Party Policy in Modern Democracies, London, Routledge, 2006) colocam recorrentemente o BE e o PCP/CDU bem à esquerda do PS (na escala esquerda-direita).

Segundo, recordei ainda que “Note-se que estes dados são anteriores à maioria absoluta (e recorrentes desde os anos 1980). E para que lado inflectiu o PS desde então? Já muito se escreveu sobre isto, nomeadamente que o partido fez uma inflexão para o “centro do centro” nunca antes vista. Uma das evidências mais fortes foi revelada por Susete Francisco (DN, 29/7/08). De acordo com as votações parlamentares nesta legislatura, concluiu que o PSD e, em menor medida, o CDS-PP, têm sido os partidos que mais votaram favoravelmente as propostas de lei do PS (ao contrário do BE e do PCP) na última sessão legislativa: em 55 propostas de lei apresentadas pelo PS, os deputados do PSD aprovaram 30 (54,5 por cento) e abstiveram-se em 11; no caso do CDS-PP, as votações favoráveis e as abstenções foram de 24 (43,6 por cento) e 16, respectivamente. Uma situação semelhante se verificou em toda a legislatura. Se o PS tem maioria absoluta e não precisa do seu apoio, excepto em leis de 2/3, porque carga de água iriam PSD e CDS apoiar as suas propostas de lei? Muito simplesmente porque, em muitos casos, o PS tem adoptado as políticas que antes defendiam e, por isso ser tão evidente em tantas áreas, tiveram que votar a favor para não se descredibilizarem. E a inflexão centrista é um dos factores que melhor explica o crescimento das forças à esquerda do PS.”

Terceiro, quanto à crítica reaccionária do capitalismo, todos sabemos que, pelo menos no século XVIII, a direita tradicional, reaccionária, era anti-liberal e defendia um forte papel interventor para o Estado (o mercantilismo). Nessa altura, os liberais eram a esquerda contra os vários privilégios associados à “sociedade de ordens” (privilégios de nascimento, sociais, económicos, etc.). Mas há muito que o liberalismo económico e depois o neoliberalismo (mesmo apesar de ter sido em boa medida adoptado pela terceira via…), com a sua visão minimalista do papel do Estado e dos direitos sociais, está associado ao campo da direita. Veja-se a este propósito: André Freire, Esquerda e Direita na Política Europeia, Lisboa, ICS-UL, 2006.

2 comentários:

  1. Os resultados apresentados são objectivos. O posicionamento que os cidadãos dão ao PS no quadro de 18 do PSE e o “apoio” que as propostas do governo têm tido dos partidos da direita, corroboram o que já há muito se pensa: roupagens de esquerda, política de direita!

    Ao ouvir os comentários do presidente da CIP quanto ao novo código do trabalho, comparando-o com aquele de Bagão Félix; ao ouvir António Arnauth comentar as taxas moderadoras para serviços operatório e ambulatório, falando em ultrapassagem do PS pela esquerda…até pela direita; a consagração da discricionariedade na administração pública (ajustes directos a 5 milhões, a saga das avaliações) quando se esperaria uma reforma democrática; enfim, são apenas exemplos que mostram o porquê dos resultados apresentados no postal.

    Esquerda mínima, sim, talvez pelas causas “fracturantes”... que nos dias de hoje, até já nem são bandeiras da esquerda, podendo ser transversais. Aliás, acho que a bandeira da esquerda é a da tolerância e respeito pelas minorias, essa sim!

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  2. É altura da cisão do PS: e as cabecinhas pensadoras do Bloco que não tenham medo de o aproveitar, ultrapassando com coragem, dignidade e seriedade os que os apelidam de chiq, caviar e demagogos. Eu acredito no trabalho do Bloco.

    Fiquemos com 3 partidos grandes.

    Os gajos do PS até se cagam nas calças de pensar nisto, mas neste chega para lá para o centro é o que estão a potenciar.

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