sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sonhos, pesadelos e a ficção por onde tudo começa e acaba

Joan Robinson, importante economista pós-keynesiana, disse uma vez, com uma certa dose de ironia, que o sonho de qualquer capitalista é conseguir controlar os custos salariais ao mesmo tempo que os outros capitalistas fracassam nesse intento. Os salários são simultaneamente um custo e uma fonte de procura. O sonho transforma-se em pesadelo quando os capitalistas são bem sucedidos como classe.

Esta intervenção de Robert Pollin sobre a possibilidade do pleno emprego na época da globalização lembra-nos aquilo que já tínhamos defendido aqui ou aqui: a livre circulação de capitais e a emergência de um exército industrial de reserva global, em conjunto com a demolição de instituições que tinham assegurado uma certa prosperidade partilhada durante algumas décadas nos países capitalistas centrais, foram alguns dos mecanismos neoliberais que asseguraram a compressão dos salários à escala global. Da Europa à China, o espectro da sobreprodução regressa no seguimento da crise financeira.

Segundo Pollin, um trabalhador norte-americano assalariado subordinado auferia 17.66 dólares à hora em 1973 e 16.35 em 2005. No mesmo período, a produtividade cresceu 85%. Poucos dados captam melhor a vitória do neoliberalismo. O recurso maciço ao endividamento privado e as bolhas em vários activos disfarçaram durante algum tempo, durante demasiado tempo, as consequências perniciosas deste processo para o andamento da procura efectiva. A financeirização do capitalismo passou por aqui. Entretanto, a maior parte dos economistas aplaudia ou assobiava para o lado. Esqueceram-se que tudo começa e acaba nessa mercadoria fictícia que é o trabalho. As crises também.

5 comentários:

  1. Eu sei que classificar Joan Robinson e Piero Sraffa de "pos-keinesianos" é uma mania das histórias do pensamento económico. Mas tomando em consideração o papel desempenhado pelo "John Maynard Circus" de Cambridge na elaboração e discussão prévia da sua Teoria Geral deveriam ser classificados de keinesianos originais.

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  2. Caro João Rodrigues,

    No seu comentário referiu o seguinte:

    "Segundo Pollin, um trabalhador norte-americano assalariado subordinado auferia 17.66 dólares à hora em 1973 e 16.35 em 2005. No mesmo período, a produtividade cresceu 85%. Poucos dados captam melhor a vitória do neoliberalismo."

    Estas estatísticas reflectem uma clara manipulação dos números para suportar uma ideia pré-definida que o sistema de economia de mercado está podre e como tal será necessário um planificador socialista benevolente para gerir as decisões económicas do povo.

    1) Numa análise temporal de remunerações deve-se ter em consideração a diferença entre salários e compensações de trabalho. Compensações incluem salários, benefícios de saúde, benefícios de reforma, subsídios (de risco, educação, etc.) e bónus de produção. Se comparar a evolução de todas as compensações por empregado nos Estados Unidos, verificará que a tendência real é francamente crescente nos últimos 35 anos nos EUA.

    2) A teoria económica elementar refere que a produtividade do trabalho deve igualar as remunerações reais deflacionadas por um índice de preços na produção (que deverá incluir preços de bens finais e intermédios) e não apenas com um índice de consumo. Se deflacionar as compensações referidas em 1) com um deflator adequado do PIB (se as compensações forem para o sector não agrícola, o deflator deve ser também nesse sector), não surpreendentemente, encontrará as remunerações reais a crescer e a acompanhar a produtividade do trabalho.

    Assim, não sei como será possível dizer que nos últimos 30 anos as remunerações divergiram da produtividade nos EUA. Na realidade, não divergiram. Mas nesse caso os dados que deveriam provar a "vitória do neoliberalismo" mostram exactamente o contrário. Se não é uma “vitória” do neoliberalismo talvez seja uma fulgurante "vitória" para o comunismo. Mas então - que confusão - comunismo significa economia de mercado: remunerações alinhadas com a produtividade do trabalho.

    (Uma questão bem mais interessante é perceber porque razão uma parte dos salários tem sido substituída por outros benefícios nas remunerações totais dos trabalhadores. Isto é ineficiente, reduzindo as possibilidades de escolha aos trabalhadores para um valor equivalente de rendimento. Há quem defenda que esta tendência está relacionada com uma pressão fiscal que não tributa da mesma maneira salários e outros benefícios [pensões e saúde]. Mas isto é outra discussão.)

    [Estas afirmações podem ser confirmadas com os dados do Bureau of Labor Statistics.]

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  3. Wegie,
    Keynesianos originais (por contraste com os chamados "keynesianos
    bastardos"...) não está mal não senhor.

    Caro Tiago Tavares,

    Processos de intenção aparte (onde é que já me viu defender a planificação central?), acho que o seu esforço para tentar salvar o dogma do necessário alinhamento das remunerações e da produtividade cai por terra. Os estudos
    que têm sido feitos incluem as compensações. Veja o estudo de Frank Levy do MIT (p. 5). Veja o estudo de Peter Temin e de Frank Levy que dá uma explicação institucionalista para este fenómeno. Há muitas ideias feitas para rever...

    http://web.mit.edu/flevy/www/Bernie%20Saffran%20Swarthmnore%20Lecture.pdf

    http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2008/04/as-instituies-contam-poltica-das.html

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  4. Caro João Rodrigues,

    Tem razão em apontar a interpretação abusiva do meu comentário. Na realidade nunca defendeu a planificação central. Fico assim mais esclarecido (e descansado) por saber que não defende planificações centrais, socialismos, ou comunismos. Estamos de acordo de acordo neste ponto.

    O mesmo já não posso afirmar em relação ao crescimento da produtividade e remunerações de trabalho.

    Estive a ler (verticalmente) o "estudo" que citou. Neste já se encontram algumas reformulações ao seu comentário inicial, o que já é um ponto positivo. Afinal as remunerações auferidas de, pelo menos, uma parte importante da população dos EUA não caíram nos últimos 30 anos; o artigo também evidencia algum crescimento semelhante entre produtividade e rendimentos de trabalho (ainda que tenha algumas dúvidas quanto à adequação das estatísticas utilizadas).

    Surgiram-me ainda algumas dúvidas em relação ao "estudo" que recomendou:
    1)o autor compara sucessivamente produtividade global com os rendimentos de grupos de trabalhadores sem referir qual a contribuição de cada um destes grupos para o produto. Certamente que as remunerações da população analfabeta nos EUA não acompanhou a produtividade geral da economia. Mas será uma prova de que os rendimentos do trabalho não seguem de perto a produtividade? Dificilmente.
    2)O autor utiliza medianas dos rendimentos auferidos não tendo em consideração a assimetria (skewness) positiva da distribuição. Ou seja, quando compara estas estatísticas com a produtividade média há uma subvalorização do valor dos rendimentos.
    3)O autor decide não incluir nas estatísticas dos rendimentos do trabalho para a população com mais de 45 anos - esta é a que tipicamente aufere maiores rendimentos de trabalho.
    4)A comparação que o autor faz entre produtividade e rendimentos não é normalizada em índices. torna-se mais fácil utilizar uma escala adequada para encaixar uma "teoria" pré-concebida. Uma solução mais idónea passaria por comparar taxas de crescimento.
    5)O artigo não é explícito quanto ao índice de preços utilizado para actualizar as remunerações. Como já tinha referido, a teoria neoclássica implica a utilização de índices de preços de produção (mais baixos que índices de preços de consumo)

    E fico por aqui. Vou referir outra vez a simplicidade envolvida na comparação de produtividade e remunerações. Não é necessário nenhum "estudo" de um economista mais ou menos conhecido. Basta apenas dividir as compensações dos empregados por um deflator da produção adequado e comparar com a produtividade utilizando um ano de base (é uma aproximação imperfeita mas a melhor que se consegue arranjar com este tipo de dados). E claro, deve manter os dados agregados e evitar conclusões precipitadas quando parte as estatísticas em grupos (existem alguns métodos econométricos para isolar efeitos e grupos).

    Se fizer isto verificará que, grosso modo, o crescimento das compensações dos empregados nos EUA tem acompanhado a produtividade nos últimos 50 anos. Sei que pode custar mas é a dura realidade das estatísticas. A existir algum dogma, será naqueles que recusam a evidência e defendem que essa é a melhor maneira de fazer ciência. Mas independentemente de qualquer interpretação institucionalista que queira fazer, o crescimento das remunerações tem sido em linha com a produtividade.

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