Rui Pena Pires (RPP) comentou no Outubro o artigo que alguns de nós publicámos sobre serviços públicos, e que aqui se reproduziu. Como já se tornou habitual para alguns polemistas, não leu, tresleu... Não leu, por exemplo, que nos quisemos colocar num ponto de vista que olha “ o Estado como um instrumento crucial da promoção da igualização das condições e das oportunidades de vida”; que identificámos uma “fractura social entre os que têm acesso (à saúde, ao ensino e à protecção face aos riscos de desemprego) e os que não têm”; que defendemos “um Estado que em nome do interesse público reassum[a] o controlo de sectores estratégicos, se responsabiliz[e] pela provisão de serviços públicos e pela gestão do território, e utiliz[e] os meios de que dispõe para incentivar e enquadrar o investimento privado”; que nos declarámos a favor de “formas de modernizar a administração pública que, não reduzindo os servidores do Estado à condição de oportunistas e egoístas, [possam] nutrir os valores e os significados característicos da ética de serviço público”, etc., etc..
RPP antes quis ver que, quais sindicalistas destemperados, opinávamos pela “protecção dos trabalhadores públicos, independentemente da satisfação do interesse público nos serviços por eles prestados “ (sic). Por isso, não seríamos mais do que uma esquerda dos interesses. Como metáfora é pouco original, como descrição é um bocadinho desesperada.
Mas a questão essencial não me parece estar em repor o debate nos seus termos mais exactos. A questão essencial parece-me ser a de sabermos que esquerda é esta que pensa como RPP. Julgo que são três as características genéticas desta esquerda "modificada".
Ela é, em primeiro lugar, a esquerda que adoptou, sem crítica e com total rendição intelectual, os simplismos lapidares da teoria da escolha pública e o radicalismo da economia constitucional à Buchanan, para quem o Estado são os seus agentes e estes são actores perversos, movidos apenas pelo seu interesse próprio, que maximizam aproveitando-se das políticas públicas e da confiança dos cidadãos no Estado.
Esta esquerda é também a que adoptou, sem crítica e com acirrado militantismo, a ideia da bondade plena do mercado e da superioridade da concorrência, reservando ao Estado dois papéis “cerimoniais”: fazer aquilo que o mercado não tem interesse em fazer (próximo da canónica, mas não de esquerda, ideia das “falhas do mercado”) e zelo regulatório, em favor da primazia dos mercados enquanto mecanismo superior de coordenação entre os indivíduos. Um Estado cerimonial e um Estado facilitador do mercado. É este o Estado desta esquerda, uma esquerda mínima...
Mas a esquerda mínima também não é capaz de ver na Administração Pública um campo de inovação, de responsabilização e de organização de valores colectivos. Uma Administração que possa ser conscientemente qualificada, competentemente promotora do confronto de interesses e da sua resolução enfatizando o lado público, em vez de ser um elo fraco perante as poderosas capacidades negociais do privado. Pelo contrário, a Administração Pública é, para esta esquerda, um campo desordenado, perturbador, que importa normalizar, submeter, reduzir a pouco, para que a sua “maldade” intrínseca seja contida e os estragos limitados.
É por estas razões que acho que esta esquerda se colocou no mesmo lado onde estão muitas das ideias falidas, coisa tornada evidente pela crise. E é também por isto que acho que o debate que se vai fazendo dentro das esquerdas não tem como questão essencial saber se haverá ou não reconfigurações partidárias deste ou daquele tipo. Tem como questão central, isso sim, saber se a agenda política canibalizada pela esquerda regulacionista, militante do Estado mínimo e desconfiada da Administração Pública pode ser recomposta com ideias de...esquerda.
Muito oportuno este postal sobre a visão da tal esquerda(?) regulacionista e militante do Estado mínimo, desses radicais à Buchanan como referido. O artigo de RPP aludido no postal mostra o que é uma verdadeira desconversa…
ResponderEliminar“Nada é dito sobre a defesa do público nos serviços públicos…” diz RPP.
Quando a esquerda fala em defesa do sector público, a questão não se circunscreve simplesmente a uma mera defesa do interesse de um “cliente” num qualquer centro de saúde ou no atendimento numa repartição de finanças. Para isso já existem livros de reclamações e a Deco(!), além de que a tutela terá sempre a possibilidade de actuar.
Por outro lado, a defesa do interesse público não se centra na protecção dos trabalhadores públicos, como o artigo de RPP pretende fazer transparecer. Aliás, nem todos os trabalhadores públicos são iguais, há zelosos e há corruptos, há os que desempenham melhor e outros menos.
É no entanto acertado pensar que o Estado só pode defender o interesse público quando for limpo dos seus agentes sem escrúpulos, for democratizado, valorizando a qualificação dos seus agentes! E nesse aspecto, uma grande parte da classe política que tem governado o país, que se senta na cadeira do poder com o fito de se servir a posteriori, é responsável pelo actual estado de coisas…
A par do social (ensino, saúde, protecção) que configura a Constituição, a defesa do interesse público reside em primeiro lugar no controle dos recursos (ambiente, água, energia, transportes) de forma a não serem apropriados por minorias, e que permitam uma gestão que sirva o interesse nacional, quantitativa e qualitativamente. Fosse essa a prática e fosse o Estado democrático, casos como o Freeport de Alcochete, o derrube à má fila de sobreiros na zona da lezíria, os sacos azuis de Felgueiras ou o caso da especulação e fraude levadas a cabo pelos Valentins no Porto, teriam menos probabilidades de ocorrer...
Onde estava a defesa do público?
Mais estranho é quando este governo-PS, parecendo ainda não completamente satisfeito com os exemplos de corrupção, decide agora abrir definitivamente as portas: ajustes directos até 5 milhões de euros!
Por último, e voltando ao que diz RPP sobre os sindicatos e “ a protecção do trabalho dos seus associados através do fechamento dos mercados de trabalho nacionais à imigração”, estamos perante mais uma falácia. Um mercado selvagem também assente numa imigração mercadorizada, muitas vezes clandestina, sem quaisquer direitos e com salários miseráveis, afinal, servirá a que tipo de desenvolvimento?
Parece-me que “a esquerda dos interesses” está é mais preocupada com o esvaziamento das primeiras funções do Estado, isso sim. Um Estado que sirva somente para “colectar rendas” aos seus “condóminos”, reduzido a tribunais, polícias de costumes, prisões e serviços de segurança, NÃO OBRIGADO!
Faço minhas as palavras de D.H com estou, obviamente,de acordo.
ResponderEliminarO RPP que vá mas é dar banho á minhoca porque não sabe o que está a dizer.