terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Saber dizer “não”


Numa semana em que vários cronistas da nossa imprensa aproveitam o tema do Natal para 'despachar' o seu compromisso periódico, resolvi partilhar com colegas e leitores deste blogue parte de um texto da Manuela Silva, distinta Professora de várias gerações de economistas que passaram pelo ISEG-UTL. O texto completo está aqui.

"Quem não aprendeu a sabedoria do "não" em criança terá dificuldade, pela vida fora, em conseguir situar-se, saudavelmente, face a si próprio, às relações com os outros e à sociedade. Por isso, os psicólogos são unânimes em defender a importância do "não" na educação da primeira infância, designadamente o papel que o "não" tem na construção da consciência pessoal dos limites e interditos, que constituem o alicerce da identidade de cada um. ... Aprender a dizer "não" é um caminho de sabedoria pessoal.

... Para além desta dimensão pessoal da sabedoria do "não", que carece de ser sublinhada por contraponto a uma certa cultura laxista, infelizmente tão presente na nossa sociedade, penso que é também muito oportuno alargar esta reflexão à relação da pessoa com a sociedade e aos critérios de escolha de um modo pessoal de posicionamento face às estruturas e condicionalismos que marcam tão profundamente a vida colectiva.

Com efeito, é cada vez maior o impacto que têm sobre a nossa vida pessoal os modelos que a sociedade vai impondo, a tal ponto que, muitas vezes, os acolhemos, acriticamente, e os tomamos como um dado da nossa existência. ...

Vivemos num tempo em que é urgente aprender a dizer "não" (e um "não" consequente, isto é, que se traduza em agir!) face a situações intoleráveis que parecem impor-se-nos acriticamente. Dois exemplos apenas: O primeiro: a pressão ao consumismo (comprar e consumir mais do que o necessário), com consequências já evidentes sobre a destruição do Planeta e sobre o agravamento das tensões sociais e mal-estar colectivo, merece um sério discernimento pessoal e um correspondente agir responsável. O segundo: a pressão no sentido do alongamento e da irregularidade dos tempos de trabalho, com intensificação de ritmos stressantes, a sobrevalorização (endeusamento?!) da profissão e das carreiras profissionais, com consequências desastrosas para a saúde pessoal, o nível e a qualidade das relações humanas e sociais, a coesão familiar, a vida cívica ou a cultura de um povo.

Num e noutro caso, estamos perante a necessidade de um sério discernimento interior que ganhe distância em relação ao status quo e o ilumine com critérios decorrentes de valores de interesse superior. Só então, será possível, sustentar uma opção pessoal assente em convicções pessoais firmes que tragam serenidade e sentido à vida de cada pessoa e das suas comunidades e, do mesmo passo, abram caminho a novos desenvolvimentos.

Tal como sucede no plano pessoal, em que a cada "não" corresponde um "sim" ao seu contrário, também no âmbito da relação com a sociedade os nossos "nãos" constituem, só por si, a afirmação/construção de alternativas a situações de injustiça e mal-estar. São "sim(s)" à vida e aos valores que defendemos para a espécie humana. São caminhos de prevenção de uma eventual barbárie.

Uma amiga minha, que se confessa agnóstica, falando da crise e do fracasso do actual paradigma económico-social, confessava-me que, em sua opinião, era tempo de revisitar os critérios do Evangelho. E eu concordei. ..."

Votos de Feliz Natal !

11 comentários:

  1. Interessante! No outro dia estava eu a conversar com a minha filha, 31 anos, e o meu filho, 29 anos, quando esse "não" veio à baila.
    Disse-lhes que eu nunca tinha usado a palavra "não" durante o seu crescimento, o que é um facto.
    Fizeram um esforço para se recordarem dalgum momento em que eu usei o "não" de que falamos, e não conseguiram, porque eu de facto nunca usei o "não."
    É possível que ela e ele ainda terão "dificuldade, pela vida fora, em conseguir situar-se, saudavelmente, face a si próprio, às relações com os outros e à sociedade", mas eu ainda não vi sinais de tal.
    Dá trabalho sim senhor, mas o "truque" que eu usei foi retirar as situações muito antes que o tal "não" pudesse aparecer.
    Pouquíssimas vezes precisei de usar o antónimo: em vez de dizer "não concordo", dizer "discordo".
    Já agora,por experiência, discordo com a maioria do texto, e eu, sem qualquer preparação em psicologia, nunca pensei que aquele "não" fosse tão importante.
    Obrigado pelo vosso trabalho, principalmente os recentes textos de informação sobre a agonia do cifrão. Não vos desejo um "Feliz Natal" porque não sei o que ele significa: se mais um par de Levi's ou participar na Missa da meia-noite.

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  2. Caro carmélio,

    Obrigado pela sua participação.

    Há muitas maneiras de dizer "não" sem usar a palavra. Suponho que o terá dito/feito na educação dos seus filhos quase sempre de forma implícita. Uma coisa é certa: as notícias que lemos na imprensa sobre "filhos tiranos" referem-se à incapacidade de muitos pais em fazerem respeitar limites.

    Talvez o ajude se lhe disser que não há um significado único para a saudação "Feliz Natal". Como muito bem disse Daniel Sampaio na Pública de Domingo (21 Dez.), "o Natal tem uma tradição própria em cada família e constitui um importante ritual familiar. ... este ritual tem de ter um significado próprio em cada lar, sem que ninguém possa condicionar a forma de cada um assinalar (ou não) a data ... ".

    Assim, qualquer que seja o modo como a sua família participa (ou não) neste ritual, também para si Feliz Natal !

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  3. Caro Jorge,

    Obrigado pela sua resposta, mas discordo muito mais com ela do que com o texto que ofereceu.
    Mas fiquemos por aqui!
    Também desejo-lhe a si e a todos com quem passa esta quadra, um natal com saúde, paz e uma nisquinha de alegria.

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  4. Há de facto saber dizer não à interferência do estado na economia, e sobretudo nas taxas de juro. Deixem a economia em paz.

    Entre a "crise" americana e o "crescimento e estabilidade" europeu, prefiro passar o natal na crise deles.

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  5. Obrigada pela divulgação deste magnífico e pertinente texto. Nunca como hoje se fez sentir tão completamente a urgência de "saber dizer não" na vida em sociedade, assim como a urgência de os pais de hoje aprenderem a dizer não aos seus filhos, de forma firme. A falta desta aprendizagem do não, que é o mesmo que dizer falta de aprendizagem dos limites e das regras básicas por parte das crianças torna-as infelizes, inseguras e futuramente, adultos incapazes.

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  6. Resolvi fazer um link ao vosso post e ao texto em questão, espero que não haja problema.

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  7. Olho,

    E quais são os limites e as regras básicas?! Não será que variam de pessoa para pessoa?
    Por exemplo: qual é o limite do número de prendas que uma criança deve receber pelo natal? E que tipo de prendas?

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  8. Os vossos instintos reguladores castradores chegaram a tanto?

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