sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Pluralismo no ensino da economia

Mais um contributo para o debate em torno da necessidade de pluralismo no ensino da economia, desta vez de Nuno Garoupa no Jornal de Negócios.

Destaco alguns pontos que quero a seguir comentar: (a) o “ensino da Economia e da Gestão em Portugal é bastante homogéneo”; (b) isso resulta de uma mudança iniciada no final dos 70 feita “pelas forças do mercado resultante da concorrência entre faculdades de Economia, e não por nenhuma imposição central”; (c) “ninguém obrigou ninguém a abandonar outros paradigmas”; (d) os “economistas críticos” querem que “todas as escolas de economia abandonem o paradigma neoclássico” e “recursos públicos para financiar a experimentação metodológica”; (e) os “economistas críticos” devem poder testar modelos alternativos.

Primeiro. A homogeneidade hoje existente em torno do modelo “americano” inicialmente adoptado pelas Universidades Nova e Católica resulta de processos de revisões de crenças de muitos docentes das outras faculdades ao longo da década de 1980 e do seu súbito fascínio pela capacidade de captação das “elites” por parte da Nova e da Católica. Posso, no entanto, testemunhar, que o processo de homogeneização só recentemente ficou concluído, quando a experiência pluralista que estava a ser desenvolvida no ISCTE, de resto com sucesso, foi subitamente abortada e o curso de Economia do ISCTE foi homogeneizado. O mercado nada teve a ver com o assunto. Pelo contrário, tratou-se de uma operação baseada no comando e no controlo: o resultado de um conjunto de decisões arbitrárias, emanadas não do governo, mas das autoridades académicas do próprio Instituto. Com base em quê? Nem na falta de “procura”, nem na baixa qualidade pedagógica, nem na má investigação. Nada disso. Apenas no não-argumento habitual: “Isso não é Economia”. Por isso, o “ninguém obrigou ninguém a abandonar outros paradigmas” de Nuno Garoupa parece-me francamente exagerado. Mesmo nas Faculdades que se tornaram cópias da Nova e da Católica de qualidade inferior ao original, houve “economistas críticos” que não foram de espontânea e livre vontade pelo caminho que a moda, agora falida, impôs.

Segundo. O texto sugere “o mercado” como mecanismo de selecção da produção e difusão de conhecimento. Parece-me que a própria Economia neoclássica dispõe de recursos para questionar esta ideia. Afinal quem escolhe um curso de Economia não dispõe do conhecimento que uma escolha racional requereria (o conhecimento de Economia). Na assimetria de informação está o busílis que torna possível que uma escola seja muito procurada pelas “elites”, ou pelos que sonham aceder às “elites”, porque adquiriu uma vantagem que no princípio poderia ser marginal na atracção das elites. Quanto à qualidade, relevância, aderência à realidade, do ensino ministrado, o critério do mercado é necessariamente mudo.

Um modelo que foi bem sucedido e copiado, dando origem à homogeneidade, pode facilmente ser surpreendido por alterações das circunstâncias que subitamente expõem as suas debilidades – os seus erros, a sua irrelevância, a sua desadequação à realidade. Isso mesmo é o que está a acontecer com o modelo que se tornou moda no ensino da Economia. Agora daria jeito um pouco mais de diversidade. Mudamos de médico quando perdemos confiança no que estava de serviço. O mesmo querem as pessoas fazer com os Economistas: mudar de Economista. Bom seria que os houvesse diferentes em bom número e com competências diversificadas. Mas não há. De há vinte anos a esta parte quase todos têm saído das faculdades com o treino do tal modelo homogéneo.

Terceiro. Lamento, mas o que os “economistas críticos” querem não é que todas as escolas abandonem o paradigma neoclássico. O que eles querem é que o paradigma neoclássico deixe de ocupar todo o espaço. O que eles querem é restabelecer o pluralismo. Que deixe de ser dada aos estudantes uma imagem falsa da Economia – a de uma disciplina monolítica. Que seja dada aos estudantes a oportunidade de pensar autonomamente e de escolher. Os “economistas críticos” também não querem os recursos públicos todos para si. Querem tão só que os recursos públicos não sejam absorvidos quase na sua totalidade pela investigação dos economistas neoclássicos. Querem uma avaliação científica não enviesada por preferências doutrinárias ou teóricas.

Quarto. Dar oportunidade aos “economistas críticos” para testar modelos alternativos? Boa ideia! Onde está a Universidade portuguesa que quer começar?

6 comentários:

  1. Recentemente, a Universidade de Lisboa organizou-se em áreas estratégicas, tendo uma delas ficado designada como de Ciências Jurídicas e Económicas.
    Curiosamente,a UL não possui nenhuma formação na área da Economia e teria certamente o espírito para recolher toda a diversidade possível.
    Os "críticos" por lá são sempre bem vindos.

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  2. O texto publicado pelo Nuno Garoupa no Jornal de Negócios mereceu aqui alguns comentários certeiros do JM Castro Caldas. Gostaria, ainda assim, de acrescentar algumas achegas à discussão.

    Diz o NG que “(i)ndependentemente do debate epistemológico que se possa fazer, o desafio a que os economistas críticos têm de responder é desenvolver os tais planos curriculares alternativos e que respondem ao que eles entendem ser as exigências da sociedade actual.”.

    Há aqui, convenhamos, alguma dose de cinismo. NG não ignora, certamente, que os “economistas críticos” – e não me refiro apenas aos autores do artigo no Público que originou o presente debate – foram de um modo geral remetidos para posições de relativa marginalização nas estruturas de poder das escolas de Economia (e a situação não é obviamente exclusiva de Portugal). Isto, conjugado com o progressivo afunilamento da formação económica dos estudantes (e futuros professores), reduzida a uma abordagem (quase) única da disciplina, de raiz neoclássica, tornou, evidentemente, muito remotas as possibilidades de pôr de pé tais planos curriculares alternativos. Se outros argumentos não houvesse bastaria olhar para o que tem acontecido às disciplinas de História do Pensamento Económico nos curricula de Economia para perceber o ponto. Tem, por isso, toda a razão o Castro Caldas quando afirma que bom seria que houvesse economistas “diferentes em bom número e com competências diversificadas”. Infelizmente não há e isso deve-se em grande medida às decisões de quem detém o poder nas escolas de Economia, não a um qualquer resultado de uma selecção pelo “mercado das ideias”.

    E aqui reside uma das questões fundamentais em jogo – a questão do Poder e do condicionamento social da produção e difusão do conhecimento, que os economistas ortodoxos não querem ver. A situação actual no ensino da Economia em Portugal não decorre do “êxito das escolas convertidas ao modelo neoclássico em termos de recrutamento de alunos de qualidade, mercado de trabalho, investigação, captação de fundos próprios e projecção internacional” ou com a “concorrência aberta entre as escolas”, como pretende NG. Esta é uma visão redutora, auto-convencida, mitificadora do mercado. O êxito de que fala NG, designadamente em termos de capacidade de captação de fundos e projecção internacional, é, em grande medida, um resultado da inserção dessas escolas num quadro institucional que, por ser favorável às abordagens de raiz neoclássica no ensino e sobretudo na investigação, levou a que, umas mais cedo, outras mais tarde, todas as escolas se viessem a ajustar e a responder aos incentivos de ordem institucional existentes.

    (Não cabe no curto espaço de um comentário desenvolver esta matéria. Veja-se, a propósito, e a mero título de exemplo, o interessante texto de Uskali Maki, “Social Theories of Science and the Fate of Institutionalism in Economics” incluído no livro Rationality, institutions and economic methodology, publicado pela Routledge em 1993, e o texto mais antigo de Peter Earl, “A Behavioural Theory of Economists’ Behaviour”, incluído no livro Why Economics is not yet a Science?, publicado pela Macmillan Press em 1983).

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  3. Caro JM Castro Caldas,

    Sou aluno do 1º ano do curso de economia da Universidade Nova de Lisboa e não podia concordar mais consigo quanto à forma como esta é ensinada nas nossas faculdades.
    Desde que me conheço, sempre senti um grande fascínio pela área da ciência económica, dada a sua diversidade, as suas ligações a outras ciências sociais e acima de tudo a forma extraórdinaria como esta nos permite perspectivar a sociedade. Foi com base nesse fascínio que no presente ano, atraído pela reputação e pelos indices de empregabilidade (factor que hoje em dia não pode ser desprezado) que a Faculdade de Economia da UN apresentava, ingressei no seu curso de economia.
    Foram precisas poucas semanas para perceber que aquele curso não correspondia minimamente às expectativas que tinha.
    São vários os problemas que se podem indicar aos cursos de economia que actualmente são leccionados em Portugal. Em primeiro lugar as diferenças que existem entre um curso de gestão e um curso de economia são tão ténues que se poderia dizer que os economistas que estão a ser formados não são mais que gestores com uma cadeira adicional de macroeconomia. Não menos importante é a falta de diversificação dos mesmos, verifica-se que cadeiras importantíssimas para que os alunos compreendessem o que realmente é a economia enquanto ciência social e para lhes incutir algum espírito critico como a história do pensamento económico (já referida neste blog), são completamente marginalizadas para se dar primazia a cadeiras de análise matemática e a cadeiras de gestão e estratégia.
    O resultado de tudo isto é óbvio, os economistas que saem das faculdades são perfeitos tecnocratas, com a sua mente formatada para um único objectivo, maximizar o lucro de uma qualquer empresa onde acabem a trabalhar.

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