terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Défice de diálogo social: resposta a Rui Pena Pires (I)



No blogue o canhoto, Rui Pena Pires (RPP) fez uma série de comentários sobre três postas minhas nos Ladrões de Bicicletas: “Os três calcanhares de Aquiles da governação PS sob Sócrates I, II e III”. Ver ainda aqui.

Continuo a minha resposta aos comentários de RPP, agora sobre a questão do défice de diálogo social, sobretudo na educação.

Disse eu então “Continuando a escrever sob os pontos fracos da governação do PS sob Sócrates, passo, agora, ao terceiro aspecto fundamental: a falta de diálogo social, sobretudo na área da educação.

Na minha perspectiva, este é o ponto mais crítico deste governo e tem marcado a sua actuação praticamente desde o início. Este pecado original não só vem à revelia da tradição que o PS sempre defendeu, como também diverge, primeiro, das modernas tendências da governação democrática nas sociedades europeias e, segundo, das mais avançadas práticas de gestão (privada e pública) (veja-se o meu artigo no Público, 17/11/08).”

A este respeito, afirmou então RPP:
“André Freire acusa também o Governo de “falta de diálogo social, sobretudo na área da educação”. O problema do André é que a este respeito faz apenas discurso ideológico e do mais enviesado. Eu também acho que ganharíamos, e muito, em ter um sistema de diálogo e de concertação social à nórdica, só que este é muito difícil de colocar em prática quando um dos parceiros tem uma orientação para o diálogo próximo de zero (a CGTP) e, sendo o de mais peso no mundo sindical, induz esta lógica de competição confrontacional que arrasta os outros sindicatos para as trincheiras da resistência à negociação (embora um pouco mais de coragem pudesse ajudar, e muito, a resistir a este efeito de arrastamento).”

1. A ideia de que o problema (da falta de acordos na área da educação) é porque “um dos parceiros tem uma orientação para o diálogo próximo de zero (a CGTP) e, sendo o de mais peso no mundo sindical, induz esta lógica de competição confrontacional que arrasta os outros sindicatos para as trincheiras da resistência à negociação” não é nada, mas mesmo nada convincente, por quatro razões fundamentais:

a) Por esta ordem de razões, a UGT (que, em termos do número de filiados tem entre cerca de um terço a metade dos membros da CGTP, de acordo com as diferentes estimativas) nunca teria conseguido assinar acordos com este governo, nesta legislatura, mas fê-lo várias vezes. Portanto, o argumento não convence, de todo.

b) Numa democracia, as direcções das organizações da sociedade civil (sindicatos incluídos) são democraticamente escolhidas pelos seus membros, sendo por isso autónomas e apenas responsáveis perante os seus membros (e perante a lei). Cabe ao Estado (e aos governos) apenas zelar pelo estabelecimento de regras claras que assegurem a democraticidade interna das organizações da sociedade civil (sindicatos incluídos) e, depois, tentar negociar com todas elas em pé de igualdade (chegando ou não a acordos, naturalmente). Não cabe, por isso, aos governos certificar as “boas” e as “más” estruturas/direcções sindicais. Já tivemos isso, mas é de muito má memória: foi durante o Estado Novo.

c) No passado, quer governos do PSD (com Cavaco, por exemplo), quer governos do PS (de António Guterres, por exemplo) fizeram acordos com estes sindicatos de professores (FNE e FENPROF). A própria CGTP já assinou acordos com diferentes governos. Portanto, o argumento não convence, de todo.

d) Mais, face aos anteriores governos do PSD e do PS, a situação presente deveria ser ainda mais favorável à negociação e ao estabelecimento de acordos. Duas das maiores estruturas da FENPROF têm hoje direcções muito mais autónomas face ao PCP, que venceram eleições contra listas “oficiais” do PCP (chegando ao ponto de terem sido movidos “processos para-disciplinares” a dirigentes sindicais que se recusaram, em nome da sua autonomia e liberdade pessoal, a integrar a lista patrocinada pelo PCP): no SPGL, a direcção é composta por renovadores, socialistas e bloquistas e, nas últimas eleições, o PCP apresentou uma lista alternativa (à desta direcção) e perdeu; no SPN, a direcção é também plural (talvez a melhor garantia de autonomia dos sindicatos face aos partidos!) com maioria de independentes, integrando também comunistas, socialistas e bloquistas e, mais uma vez, nas últimas eleições o PCP apresentou uma lista alternativa (à desta direcção) e perdeu.

(Nota: muito provavelmente, em vez de se aconselhar com pessoas como RPP, que no fundo acham que não se consegue negociar com a CGTP e, por isso, a estratégia mais apropriada é a da confrontação, o PS faria talvez melhor em procurar reforçar o pluralismo interno da CGTP, nomeadamente apoiando mais a corrente socialista (e outras correntes minoritárias), em vez de passar a vida a demonizar a central. É que, goste-se ou não dela, a CGTP tem implantação nos locais de trabalho, está em todo o país, tem milhares de quadros activos e representa entre duas a três vezes mais sindicalizados do que a outra confederação, a UGT (há fontes e números sobre o peso relativo de cada uma das duas confederações sindicais no meu Crónicas Políticas Heterodoxas, Lisboa, Sextante, 2007).

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