quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O neoliberalismo não é um slogan


Warren Buffet disse um dia : «a luta de classes existe e a minha classe está a ganhá-la, mas não devia». Questão de decência. O Financial Times tem um bom artigo de fundo sobre as consequências da vitória. Chamam-lhe o «problema da estagnação do salário mediano». Entre 2000 e 2008, o rendimento da família norte-americana mediana decaiu 1,1% em termos reais, enquanto que o rendimento dos 10% mais ricos cresceu 32%, o dos 1% mais ricos 203% e o dos 0,1% mais ricos 425%. Dos cortes de impostos para os mais ricos à demolição bem sucedida das instituições que no pós-guerra asseguraram uma «prosperidade partilhada» foi sempre a lutar e a ganhar.

Os intelectuais neoliberais estão de parabéns pelo sucesso. Um modesto contributo. Valeu a pena investir, segundo contas dos próprios, mais de mil milhões dólares na criação de infra-estruturas intelectuais para promover e justificar estes processos. Existem áreas de investigação em Economia que provavelmente não teriam tido a mesma difusão sem o investimento de tantos. Como os seus praticantes aliás reconhecem. A luta das ideias como expressão da luta de classes? É sempre mais complicado, mas não muito.

Entretanto, a financeirização do capitalismo norte-americano, como argumenta o economista Jacques Sapir, está profundamente imbricada com este processo de aumento das desigualdades e de deterioração das condições de vida da maioria: do sobrendividamento das classes trabalhadoras à compressão dos salários para «criar valor para o accionista». Gerou-se também uma onda de inovações financeiras de que todos estamos a beneficiar agora. Buffet mais uma vez: «os derivados são armas de destruição financeira maciça». O aventureirismo cíclico, a irresponsabilidade e a miopia estão inscritas nas estruturas da finança concorrencial. Tudo a trabalhar para o regresso da depressão.

Os economistas neoliberais nacionais – já dizia Paul Samuelson que «Chicago não é um lugar, mas sim um estado de espírito» – tomam-nos por parvos. Atrevo-me a pedir a José Silva Lopes, um notável «economista antigo», que explique ao seu colega da SEDES por que é entre o pós-guerra e a década de setenta praticamente não ocorreram crises financeiras na economia mundial e por que é estas não cessaram de se multiplicar desde os finais dos anos setenta: passagem de um sistema financeiro administrado para um sistema financeiro liberalizado. Os neoliberais chamaram-lhe passagem da «repressão financeira» à «liberdade financeira». Os resultados não foram famosos para as economias, embora alguns tenham ganho bastante dinheiro. Nunca conseguiram «convencer» chineses e indianos a alinhar totalmente nestes disparates. Hoje, da The Economist ao Financial Times, toda a gente suspira de alívio por causa deste seu fracasso.

11 comentários:

  1. Boas notícias. Se não fossem as desigualdades, qual o incentivo que a pessoa tem para se esforçar?

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  2. Podemos colocar a coisa exactamente ao contrário.

    Dado que todos somos diferentes, só partindo de uma base igual podemos verdadeiramente expressar a nossa individualidade.

    A desigualdade à priori não é o triunfo do individuo mas o das circunstâncias.

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  3. Mas o L. Rodrigues não se cansa de debater com religiosos?

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  4. Filipe melo sousa,

    e porque é que a competiçao humana se há-de desenvolver apenas em torno de valores materiais? Só um cérebro formatado para formas de competição tão espúria e idiota é que se pode dar por satisfeito com o sucesso material. O capitalismo é de facto o sistema económico ideal para os pobres de espírito. Não admira que o menino lipe se sinta nele como peixe na água.

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  5. Bem , eu cá gosto de me esforçar por ser feliz , passe o foleiro , e isso implica ,mais que nada , boas relações humanas , sejam afectivas ou outras ,e por sentir-me livre para fazer o que me dá na bolha. Dá jeito um dinheirito , claro , mas devo dizer ao Lipe , que não desperdiçava a minha vida em busca de ter mais dinheiro ou fama que os outros. Que frete viver em função do que o outro tem ou faz.

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  6. Não temos que partir de uma base igual. Isso seria tremendamente injusto para quem tanto se esforçou para os seus filhos terem melhores condições.

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  7. Caro Wyrm,
    è inglório, eu sei.

    Na realidade eu não tento debater com o Filipe, mas apenas tentar deixar outro ponto de vista não vá um incauto ler aquilo e achar que é incontestável.

    É que há algo de sedutor nas versões simplistas do mundo que não deve ser negligenciado.

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  8. "quem tanto se esforçou para os seus filhos terem melhores condições."

    Usando o seu argumento inicial, qual é o incentivo então para um tipo que nasce em berço de ouro esforçar-se?

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  9. «Não temos que partir de uma base igual. Isso seria tremendamente injusto para quem tanto se esforçou para os seus filhos terem melhores condições.»


    já ouviu falar em filantropia de homens dos mais ricos do mundo?
    Que comparado com eles a "sua", fortuna é insignificante?

    Que explicação tem para a filantrofia tipo Hilton?


    António

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  10. Não creio que a filantropia seja um valor com o qual eu venha a beneficiar. O sr. antonio que a pratique. É livre de o fazer. Ao ao contrário de si não pretendo impor os meus valores aos outros.

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