À escala global, uma luta eficaz contra a pobreza exige o derrube de alguns pilares do actual sistema financeiro de matriz neo-liberal. Os economistas que defendem a “livre” circulação de capitais de curto prazo e a “liberdade” de especular, designadamente sobre matérias-primas estratégicas e sobre bens alimentares, estão hoje confrontados com um juízo moral de condenação que vai ter consequências políticas quando a actual crise financeira der lugar à recessão. É que os seus efeitos não serão iguais para os administradores dos bancos, para a classe média, e para os pobres, em particular para os que já passam fome. Os economistas que participaram na construção da actual arquitectura do sistema financeiro, ou com ela sempre se identificaram, não podem refugiar-se numa suposta neutralidade técnica e deixar de assumir a sua responsabilidade moral. Essa neutralidade não é possível; objectivos e instrumentos de política são interdependentes e incorporam valores.
Em Portugal, vai realizar-se uma Audição Pública (8 de Novembro) promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) da Igreja Católica, “Dar Voz aos Pobres para Erradicar a Pobreza”. Interessante é o facto de esta iniciativa também pretender contribuir para a desconstrução de alguns preconceitos ainda enraizados na sociedade portuguesa. Exemplo: Paulo Portas afirmou que não pode “continuar a existir um Portugal que trabalha a custear outro que não faz o esforço suficiente para poder trabalhar". Não se viu uma reacção da opinião pública (pelo menos da publicada) a condenar e desmontar este ataque populista a um instrumento central nas políticas de combate à pobreza. E, no entanto, todos sabemos que a escala das ilegalidades no acesso ao Rendimento Mínimo não tem comparação possível com a praticada pelos cidadãos em geral (fuga ao IVA) e pelas empresas (no mínimo, automóveis e outros gastos pessoais do empresário e família imputados à empresa), com os bancos à cabeça (caso BCP, caso BPN, Operação Furacão). Para não falar dos negócios em torno do futebol ou da conversão de terrenos rurais em urbanos.
Sobre este ponto dos preconceitos, e em memória da Leonor Vasconcelos Ferreira que estudou em profundidade estas questões, recordo que num artigo da revista Sociedade e Trabalho (nº 26, p. 116) se referiu às “situações de desvantagem cumulativa e de herança de pobreza, estranhamente toleradas na sociedade portuguesa.” [o destaque é meu]. De facto, toleradas também pelos decisores políticos porque na própria formulação e execução das políticas de redução da pobreza esses preconceitos não deixam de estar presentes e também ajudam a explicar a persistência das debilidades do nosso sistema de protecção social aí identificadas.
Num texto em co-autoria com o sociólogo José Madureira Pinto (Público, 21-03-2005) a questão foi ilustrada com muita clareza e vale a pena citar:
“Uma das frequentes e mais nefastas consequências da pobreza (sobretudo da pobreza crónica) é a destruição de disposições básicas para organizar o presente e planear o futuro, nomeadamente consumir regradamente, prever despesas ou poupar. É justamente por não terem acesso a rendimentos regulares e previsíveis que os mais pobres caem na armadilha dos pequenos consumos “irracionais” e “excessivos” face à magreza dos orçamentos ao seu dispor e que sucumbem ao “incompreensível” apelo para também eles usufruírem, por um momento, do que para os outros é trivial. Para muitos deles, aceder a uma prestação monetária regular é condição necessária, mas não suficiente, para (re)construírem o sistema de disposições de cálculo económico (que incluem uma relação equilibrada com o futuro) análogo ao dos cidadãos “normais”. Eis por que razão a condenação moralista da “irracionalidade” económica dos pobres contém a sua própria “irracionalidade”.”
Um grande abraço de solidariedade.
ResponderEliminarJoaquim Armindo
Um grande abraço de muita solidariedade.
ResponderEliminarJoaquim Armindo
Um grande abraço de muita solidariedade.
ResponderEliminarJoaquim Armindo