Claro que não. Agora leiam a declaração do responsável pelo Tesouro dos EUA: «Como filosofia, nunca pensei que a intervenção (do Governo) fosse uma boa escolha. Tudo o que posso dizer é que ela é agora necessária» (Henry Paulson). Nos EUA podemos estar a assistir ao paradoxo histórico assinalado nos anos quarenta por Karl Polanyi: enquanto que o laissez-faire foi o resultado de um laborioso processo de construção de hegemonia ideológica e de engenharia social, a contra-engenharia, ou seja, a introdução de mecanismos de controlo, que fazem recuar o alcance dos mercados e que podem permitir, a prazo, subordina-los de novo às prioridades democráticas, é o resultado de um processo político mais ou menos espontâneo, posto em andamento quando as circunstâncias pressionam, para proteger a ordem social da ameaça do colapso económico generalizado. «O laissez-faire foi planeado, o planeamento não».
Os paradoxos multiplicam-se. Este último é muito infeliz: acho que os neoliberais podem estar mais descansados na Europa, berço da social-democracia. Da esgotada e cúmplice social-democracia. Tiago Barbosa Ribeiro menciona, e bem, a necessidade desta recuperar «parte do seu património perdido». No entanto, as boas propostas keynesianas de Vincenç Navarro ou os robustos princípios de regulação financeira, formulados por Frédéric Lordon, são uma utopia na actual UE. É que a União, como não nos cansamos de denunciar neste blogue, inscreveu o neoliberalismo nos tratados e nas instituições com responsabilidades económicas (do BCE à Comissão). A verdadeira social-democracia é uma impossibilidade ali onde muito se decide: no campo económico. Questão de blindagem institucional. Parece que a Europa suportará, mais uma vez, a maior parte do fardo da crise internacional. Os dogmas de mercado têm um preço elevado. De Bruxelas a Lisboa. Passando por Frankfurt. A Europa podia ser a solução, mas é hoje o principal problema. Escolhas. Quem foi o irresponsável que redigiu os estatutos do BCE? Quem aprovou o PEC? Quem avançou para a total liberalização financeira sem criar regras comuns e sem harmonização fiscal? Quem avançou para a moeda única sem orçamento federal digno desse nome? Quem?
Ho!
ResponderEliminarA administração Bush injecta os 700 MM Dolares e faz de seguida a obnubilação do problema aos americanos
António
A questão é mais grave do que parece. Se por acaso esta crise financeira se propaga à Europa, colocando em causa as suas próprias instituições financeiras, não me parece que estejamos preparados, do ponto de vista institucional, para o enfrentar. Alguém concebe uma intervenção por parte do BCE tão "intrusiva" quanto a que a Reserva Federal norte-americana teve no salvamento da AIG? Com a mesma sintonia entre autoridade monetária e governo (representado pelo Secretario do Tesouro)? Quem assumiria o papel de liderança na Europa?
ResponderEliminarAparentemente, após instadas as autoridades europeias (quem?) a cooperar na resolução dos problemas com epicentro nos EUA, o ministro da economia alemão arrumou a questão com um simples "é um problema dos americanos, eles que resolvam os seus problemas que nós resolveremos os nossos". Enfim, parece-me uma imprudência. Percebo que a origem dos problemas esteja nos EUA e nas suas opções, mas não estou seguro de que as instituições financeiras europeias não possam estar de alguma forma ameaçadas por estas questões - até porque países como a Espanha e o Reino Unido experimentam no momento um processo semelhante de esvaziamento de uma bolha especulativa no imobiliário. Temo que não tenhamos instituições preparadas para lidar com este tipo de situações...
Pedro Ribeiro