quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Já passou o tempo das inevitabilidades neoliberais

Vital Moreira (VM) mostra como a década de oitenta foi mesmo terrível: «Defendo a elevação das propinas no ensino superior desde há vinte anos». E continua: «Desde logo, para dispor de mais recursos financeiros para aumentar as bolsas de estudo e os empréstimos bonificados, em número e valor». Como aliás se vê. Tem sido notável a ligação entre o aumento das propinas e o aumento do investimento no ensino superior. Tenham fé. Desta vez é que é.

«Empréstimos bonificados». Reparem. Milton Friedman está vivo e de boa saúde. VM termina com esta pérola: «Trata-se de aumentar a justiça social no acesso ao ensino superior, diminuindo o actual subsídio aos ricos e aumentando a ajuda a quem precisa». O populismo mercantil ao serviço da comercialização do ensino superior.

O pior nos intelectuais do «socialismo moderno» do PS é a forma como embrulham projectos regressivos numa retórica de esquerda. A justiça social, ou seja, a progressiva eliminação das desvantagens associadas, entre outras coisas, à lotaria da classe onde se nasce e a correspondente promoção das condições para uma maior igualdade no desenvolvimento das capacidades, alcança-se através de impostos progressivos que financiam serviços públicos universais e gratuitos para o utilizador. E bolsas. Tudo o resto é recriação de divisões de classe, manutenção de barreiras à entrada e criação de um enquadramento que nutre o egoísmo e o individualismo mercantis. Com custos administrativos elevados.

Falta só referir a citação que encabeça a posta de VM: «OCDE considera inevitável subida das propinas nas universidades». As inevitabilidades organizadas pela OCDE. É quem inspira o ministério. Muito eficaz no esvaziamento do Estado Social. VM apresenta hoje, em Coimbra, um livro de Correia de Campos sobre reformas da saúde. VM é muito coerente.

8 comentários:

  1. Ainda ontem, um socialista antigo e fundador, M. Soares escrevia que é necessário repensar a Esquerda reformista, procurar um outro modelo económico e social…

    No entanto, os “socialistas modernos” de que Vital Moreira é exemplar, não acham nada disso. A seguir ao arrependimento comunista, entregaram-se de forma algo apaixonada ao sistema que agora abraçam. Não se vê a menor distanciação em relação a este sistema capitalista, como se ele fosse um produto acabado, perfeito. Tal como outrora pensaram do regime comunista. A dúvida como método não existe para eles!

    Estes defensores do “socialismo moderno”, querem continuar a seguir o modelo de Chicago, em nada se distinguindo de qualquer neoliberal. Relativamente aos empréstimos a universitários, as taxas de juro são efectivamente mais baixas (tal como num empréstimo de aquisição de casa); mas não se trata de empréstimos bonificados! Essa dos “empréstimos bonificados” seria a vistosa fita exterior de mais esta “embalagem socialista moderna”, que no fundo se traduzirá pelo aumento das propinas para o estudo.

    ResponderEliminar
  2. O ensino superior não é um serviço público universal.

    ResponderEliminar
  3. "Trocar propinas por bolsas (...) diminuindo o actual subsídio aos ricos"

    Que logro!
    VM cai no mesmo erro de Manuela Ferreira Leite na Saúde. Partir o financiamento do ensino superior é um sistema ineficiente, penaliza o estudo e é perverso.
    Ineficiente porque não recolhe logo à cabeça os fundos de que o ensino superior necessita para funcionar, acabando por gastar mais dinheiro a recolher o que falta no pagamento.
    A recolha fiscal já é feita de forma progressiva e portanto, a individualização dos custos é apenas uma penalização dos alunos que querem estudar, não traz mais justiça social, apenas anula a que já existe. É uma discriminação negativa: "Tu que foste bom aluno e conseguiste entrar, agora pagas a factura!!"
    É perverso porque aumenta a propensão para sistemas de segregação. Quando o valor da propina aumenta e a proporção do financiamento aumenta por pagamento dos alunos, os filhos dos mais ricos ficam mais próximos de escolher o ensino privado por aproximação de valores de pagamento. Isto é um incentivo dado pelo Estado ao ensino privado (um completo blowback).

    Cumprimentos

    ResponderEliminar
  4. "O ensino superior não é um serviço público universal."

    Tem razão. Enquanto houverem sistemas de filtragem económica e hajam alunos a deixar de estudar por falta de dinheiro dos pais, então o ensino superior não é um serviço público universal.

    ResponderEliminar
  5. As questões da Saúde e do Ensino Superior são bem diferentes.

    Mas limitemo-nos ao Ensino Superior.

    O problema de VM é que assenta numa lógica dos coitadinhos, isto é, de que os estudantes do ensino superior são por natureza filhos de ricos e classe média, e que os filhos dos pobres não estão, e que como tal o dinheiro deveria ser mais canalizado para estes.

    Coisa de que discordo, evidentemente.

    ResponderEliminar
  6. Mas ainda há quem dê ouvidos a esse individuo? Nem sequer uma ideia própria consegue formular...

    ResponderEliminar
  7. O que eu vi muito na década passada, e isto não é conversa é mesmo mesmo verdade:
    .
    Os filhos dos directores das empresas nas universidades públicas e os filhos das empregadas da limpeza nas universidades privadas.

    ResponderEliminar
  8. Há cada vez mais gente que se dá muito mal com o verbo haver. Uma vergonha.

    ResponderEliminar