segunda-feira, 9 de junho de 2008

Propriedade Intelectual II: Rebelião

A presente ofensiva em torno dos direitos de propriedade intelectual tem encontrado vasta resistência que, de forma mais ou menos espontânea e utilizando as novas tecnologias digitais, se manifesta nos mais diversos domínios. Por exemplo, a música conhece hoje novos e formidáveis canais de distribuição de anónimos que, através do seu computador, utilizam programas peer-to-peer (parceiro-a-parceiro). Estes novos arranjos institucionais permitiram uma difusão nunca antes imaginada de grupos de música, que se, por um lado, perdem os direitos de autor, por outro, ganham uma visibilidade pública que lhes permite compensar tais perdas com novos públicos para os seus concertos. Não é, por isso, de admirar que sejam inúmeros os grupos que se manifestam a favor destes novos esquemas. Outro exemplo paradigmático é o do software livre, com exemplos de enorme sucesso como o sistema operativo Linux ou o browser Mozilla Firefox. Este tipo de software não pode ser patenteado, estando protegido contra esta eventualidade através de uma licença ironicamente intitulada copyleft. Assim, ao estar publicamente disponível, o código-fonte (linhas de programação) deste software pode ser facilmente modificado e adequado às necessidades de cada um (desde que saiba programar).

O que emerge de novo nestes modos de distribuição e de produção de bens intangíveis, baptizados de "peer-production" por Yochai Blencker, é o facto da sua dinâmica se dever às contribuições voluntárias de milhares de utilizadores e programadores cujas motivações são várias (vontade de aprender, participação numa nova forma cooperativa de produção, vontade de partilhar, etc), mas onde, de uma maneira geral, as motivações pecuniárias estão ausentes. Não são necessários preços de mercado ou ordens superiores e hierarquias típicas das empresas capitalistas para a afectação de recursos. A tradicional dicotomia na coordenação da produção entre a empresa e o mercado fica assim ultrapassada neste modelo de criação onde a propriedade dos meios de produção (computadores e software) está descentralizada e a propriedade intelectual está praticamente ausente. É o movimento dos "anti-enclosures". O socialismo também passa por aqui.


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4 comentários:

  1. Este post está bem melhor. Discordo que as motivações pecuniárias estejam ausentes. Acho que cada contribuidor para os projectos open-source tem ,"lá no fundinho", a motivação de contribuir para que num futuro próximo existam programas para os quais não é necessário pagar, originando uma poupança e daí mais dinheiro no bolso.
    Eu diria que se trata de anti-trust popular (não governamental, portanto) e não propriamente socialismo (esse tende a não ser nada popular embora idealmente o devesse ser). É mais uma questão de ódio aos monopolistas/gananciosos do que ao capitalismo. Mas cada um lerá a realidade como mais lhe agrada...

    É de facto um assunto muito interessante e congratulo-me pela sua contribuição.

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  2. E' tudo uma questao de escala. Milhoes sabem programar, a quantidade de programadores e' assustadora, eles estao em todo o lado. Muitos nao trabalham para uma empresa de software, muitos trabalham nas universidades, criam modelos e softwares livres que equivalem em fiabilidade a outros que custam milhares de euros (ver a comparacao entre matlab e octave, entre S-plus e R ou ArcGIS e GRASS, por exemplo). O que me surpreende aqui e' o nivel de sofisticacao a que estes programas chegaram. De onde vem toda esta motivacao?

    Pode ser pecuniaria, o mais certo e' que seja um misto: ter uma boa fatia de um programa da' portfolio, pode-se apresentar como experiencia. Uma pequena contribuicao ja nao, representa simplesmente o satisfazer do impulso de resolver um problema. Contribuir para algo maior, quando as oportunidades para o fazer desaparecem cada vez mais da vida real, dada a velocidade de comunicacao, o vicio de estar informado, em contacto em directo e a cores. Muitos programadores sofrem este sintoma, estao ja longe de uma realidade cujas regras ja nao dominam, quer por terem sido excluidos, quer por se terem eles proprios excluido.

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  3. "É mais uma questão de ódio aos monopolistas/gananciosos do que ao capitalismo. Mas cada um lerá a realidade como mais lhe agrada..."

    A questão é que o capitalismo, sem regulações, é terreno aberto para monopolistas/gananciosos... O mercado em roda livre tende a ser como no Highlander: "there can be only one..."

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  4. L Rodrigues,

    acho que é a primeira vez que posso dizer que concordo consigo:-)

    De facto, a aspiração de qualquer agente no mercado é ser monopolista/monopsonista. Cabe às autoridades limitar essas pretensões de forma a que a liberdade de entrada no mercado e concorrência se mantenham uma realidade.

    Curioso que este fenómeno se repete com outras formas de poder.

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