domingo, 29 de junho de 2008

Mercado e Estado II

O meu ponto é que a oposição Mercado-Estado é fictícia, ou talvez melhor, um hábito de pensamento que esconde mais do que aquilo que permite ver. Comecei por sugerir que por trás do conceito abstracto de «mercado» existem na realidade mercados que diferem em qualidade. Todos somos capazes de apreender estas diferenças de qualidade, mesmo quando discordamos quanto à apreciação que fazemos de cada tipo de mercado em particular. Agora quero ser mais claro.

Entre o mercado municipal da minha terra, que muito aprecio e que não gostaria de ver destruído pela concorrência das grandes superfícies, e outros mercados, igualmente existentes, as diferenças de qualidade são evidentes. Na realidade, no mundo em que vivemos há mercados que são repugnantes; tão repugnantes do ponto de vista moral aos olhos de uma esmagadora maioria que o Estado os proíbe. Estou a pensar no mercado de seres humanos ou de órgãos humanos, por exemplo. Existem ainda outros que são pelo menos contestados e muitas vezes igualmente ilegais: os mercados de sexo ou de narcóticos, por exemplo.

O que há de comum entre o mercado municipal da minha terra e os mercados repugnantes que referi como exemplo? Em todos eles há um bem (ou bens) a que se pode aceder através de um pagamento em dinheiro. Tudo o resto são diferenças.

Serve isto para dar mais um passo. A existência de um mercado particular depende de um entendimento (de natureza moral) acerca do bem cuja transformação em objecto de comércio se contempla. Este entendimento é sempre sancionado pelo Estado, quer quando o permite, quer quando o proíbe. Em ambos os casos o Estado está presente. No primeiro, a proteger os direitos de propriedade do detentor do bem e a zelar pelo cumprimento dos termos contratuais da transacção, no segundo, a procurar impedir que a transacção tenha lugar. Mercado e Estado talvez comecem já a surgir embutidos um no outro. Mas a história continua.

3 comentários:

  1. Excelente (série de) post(s). Até agora subscrevo e recomendo.

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  2. Do que eu vejo na literatura ou na nossa blogosfera, para liberalismo mais radical existe apenas O Mercado.

    Nele, se uma pessoa quiser trocar um rim seu por uma propriedade tem toda a legitimidade. E da mesma forma, poderia ir ao mercado municipal e trocar favores sexuais por peixe fresco.

    A segmentação é artificial, e consequência da acção do estado. Um liberal que me corrija...

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  3. De facto o liberalismo levado ao extremo é mesmo assim, salvaguardado que a liberdade de uns não interfere sobre a liberdade de outros (o que já dá pano para mangas). Tudo de livre vontade e de mútuo acordo.

    Tudo o resto será moralismo. O Estado a impôr os valores de quem o dirige. E para um liberal o Estado não tem nada que se armar em papá.

    Não o corrigi, só o complementei.

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