Saldanha Sanches escreveu no Expresso: “Hoje, com o euro, a contenção de despesas é uma imposição porque há uma disciplina semelhante à do padrão-ouro. Sem o regresso a um escudo desvalorizável (a opção da esquerda), o orçamento tem que estar equilibrado e só depois de o ter equilibrado o Governo readquire alguma liberdade de escolha.”
Ou seja, temos pela frente apenas duas opções: aceitar a actual política económica da UE ou abandonar a UE. Se, em vez da sua preferência pela ortodoxia, Saldanha Sanches se tivesse interessado pela experiência do economista do desenvolvimento Albert Hirschman, saberia que há uma outra possibilidade. Em situações de crise, não temos forçosamente que escolher entre “acomodamento” ou “abandono”; também é possível “erguer a voz”. Quer dizer, optar pela participação crítica propondo uma alternativa que rasgue novos horizontes e mobilize para uma saída da crise.
Claro que há uma alternativa à actual construção da UE. Saldanha Sanches, Vital Moreira, e demais mentores do social-liberalismo português, não a reconhecem porque usam os óculos do pensamento liberal de novo dominante na ciência económica. Algo que faz lembrar os anos 20-30 do século passado – anos da crise do padrão-ouro, o espartilho da política económica de então – quando as ideias de Keynes eram desprezadas pela academia. Se, em vez da sua preferência pela ortodoxia, Saldanha Sanches se tivesse interessado pelo institucionalismo de Karl Polanyi, saberia que a imposição dessa disciplina monetária, conjugada com a livre circulação de capitais permitida à alta finança da época, contribuiu decisivamente para a crise global do capitalismo e a eclosão da 2ª Grande Guerra. Uma alternativa aos binómios “liberalismo” versus “proteccionismo” e “mercado” versus “Estado” acabou por emergir após muito sofrimento e destruição dando origem aos “trinta gloriosos” anos de crescimento da Europa e às suas variantes de um Estado de Bem-Estar.
Não tendo percebido que a “economia de mercado” em que vivemos foi uma construção histórica resultante do entrelaçamento de lutas sociais e políticas, debates teóricos e confrontos ideológicos, os defensores acríticos da construção europeia agarram-se aos “enormes avanços sociais” inscritos nos Tratados de Amesterdão e Lisboa e não vêm que a sua dimensão social está gravemente prejudicada pela disciplina monetarista inscrita no âmago dos Tratados da UE através do PEC e do BCE. Para a esquerda socialista, a alternativa não passa nem pela saída do euro (como afirma Saldanha Sanches e sugere Vital Moreira) nem pela submissão a uma constituição geradora de estagnação e divergência económica (ver Jörg Bibow).
Bastaria lerem algumas publicações académicas respeitáveis para sentirem o ridículo de afirmações como a de que a esquerda (convenientemente apelidada de “radical”) se bate por “uma imaginária “integração alternativa” cuja natureza aliás não definem”. De facto, só não vê as propostas concretas quem não quer ... ou não pode. Para começar, sugiro a leitura das seguintes contribuições (C. Mathieu/H. Sterdyniak, Arestis/Sawyer, EuroMemorandum 2007). Depois, se as emoções não toldarem a razão, talvez comecem a perceber que as convergências à esquerda são realmente possíveis; claro, longe das suas Novas Fronteiras.
Isto é tudo uma parvoíce. Ainda bem que temos o euro. Em primeiro lugar, não nos podemos esquecer que importamos mais do que exportamos, logo, ficamos a ganhar porque as importações ficam mais baratas. O facto de a política monetária ser controlada pelo BCE permite que tenhamos altíssimas taxas de juro que rondam os 4, 5% (antes tinhamos taxas de juro de 20%). Em último lugar, é óptimo para S. Bento que não se possa fazer a estupidez de desvalorizar a moeda. Isso é uma estúpida máscara que afasta os políticos dos caminhos certos a seguir: políticas estruturais. Quando tínhamos o escudo tudo era muito simples: temos uma quebra nas exportações? então vamos lá desvalorizar a moeda que aumentar a competitividade nos preços e na qualidade é mais custoso. Ainda bem que temos o euro. Ainda mal que essa "esquerda radicalmente do contra" ainda está entre nós.
ResponderEliminarEscrevo este comentaario na esperanca de que nao se perca a discussao. Na verdade, nao haa nada na teoria econoomica, ou nos mecanismos de gestao financeira do estado (atravees dos processos actuais de manutencao de liquidez nas contas correntes do estado no banco central) que obrigue a que numa uniao monetaaria os deeficits de cada paiis sejam zero... NADA!!! As afirmacoes de Saldanha Sanches sao erradas no que ao paralelismo entre a zona euro e o tempo do padrao ouro.
ResponderEliminarCaros ciclistas (ou ladroes de bicicletas), nao percam este debate...
Caro Tiago Ramalho, eu tambeem me lembro da conversa de que o crawling peg deixava de molho a necessidade de reformas estruturais... no entanto, uma economia ee bem mais complexa que a fotografia simplista que nos ofereceram haa uns anos... na verdade, num processo de catching-up e mudanca estrutural (que enfrenta falhas de mercado do tipo "self-discovery" - vide Eichengreen, Rodrik, Hausmann), uma taxa de cambio favoraavel ee fundamental para a economia, em resposta a choques ou nao, se refugie nos sectores nao transaccionaaveis...
Abracos
Joao Farinha
Este é realmente o debate que vale a pena levar a cabo: as respostas não são fechadas e o dogma não pode ser levado a sério.
ResponderEliminarÉ certo que não há nada que obrigue a que o défice orçamental na União Monetária seja zero; excepto talvez o PEC. Bom, não é bem assim: depende da dimensão das economias: Portugal tem um efeito marginal nos fundamentais da zona euro: inflação, tx de juro, balança comercial. Como é que estas variáveis se relacionam relacionam com o défice público português e por sua vez com a taxa de câmbio é uma coisa que cabe à teoria deslindar; mas, sim, já todos sabemos que ela não tem vida fácil.
Comparar a zona euro ao padrão-ouro é pura estupidez; que é perdoável, por o autor da afirmação apenas marginalmente ser da área de conhecimento a que a questão se refere! Logo para arrumar, em padrão-ouro, nunca um país poderia sustentar no tempo um défice da balança comercial como o que portugal adquiriu sem uma correcção "automática" dos fundamentais (o que envolveria, potencialmente, circulação de outro entre países e/ou intervenção de especuladores - estes benignos). Mas onde é que ele [o ouro] está agora, meus senhores?
Porém, um única semelhança entre os dois sistemas, é que o nosso espaço económico nacional estabelece um câmbio fixo com o exterior. Resta saber o que muda. Mas antes, é preciso que se constate que tanto a desenho ideal do funcionamento do padrão-ouro como da trocas que é suposto regerem a união monetária se fundam, muito elaboradamente até, no pressuposto do equilíbrio (referenciais neoclássicos), que é uma coisa muito difundida, mas muito nefasta também.
Equilíbio de quê? Bom, grosso modo, das trocas económico-financeiras. Haveria aqui um longo caminho a percorrer, mas vou-me ficar pelo essencial, e usar os argumentos do adversário:
1. Está a eco. portuguesa em equilíbio? Desagregando, senhora, três putativos equilíbrios podiam ser identificados: produto potencial; saldo orçamental; balança transacções correntes + balança de capital (a nova, não a antiga, que agora se chama financeira).
1.1 É consabido que Portugal atravessa de uma "recessão grave" pelos próprios parâmetro da CE, o que se traduz por crescimentos dos PIB abaixo do potencial, conceito teórico, artimanha estatística.
1.2
1.3
.... deixo para os outros considerarem.