Acho que Vital Moreira está enganado. A «lógica da acção colectiva» de Mancur Olson, parte da chamada teoria da escolha pública, é, desde meados dos anos sessenta, um dos pilares fundamentais de um esforço intelectual extremamente sofisticado para deslegitimar o Estado Social. Não é por acaso que Olson é uma das referências que F. Hayek mobiliza num esforço paralelo para alertar para as supostas perversidades políticas do Estado Social (ver o seu Law, Legislation and Liberty). Uma das ideias centrais é a de que a existência de mecanismos redistributivos serve sobretudo para que os grupos com maior capacidade para intervir na arena política captem benefícios para os seus membros (os «incentivos selectivos», sempre os incentivos). O Estado Social é assim inevitavelmente capturado por grupos mais ou menos privilegiados. Isto frustraria todos os intentos redistributivos. Para além disso, a sua expansão criaria incentivos adicionais para que os diferentes grupos se organizassem e se dedicassem a jogos improdutivos de controlo político. A hipótese do egoísmo racional, ou «tomar as pessoas como elas são», no quadro de uma teoria que faz uso do individualismo metodológico, serve para afirmar o primado e bondade de um quadro de referência mercantil, supostamente dotado de mecanismos para canalizar o egoísmo para a realização do bem comum. A ideologia da perversidade intrínseca de uma esfera política democrática em expansão ameaçadora é assim parte integrante da narrativa neoliberal.
As hipótese e previsões «pessimistas» da «lógica da acção colectiva» são tão importantes que estimularam toda uma linha de investigação na área da economia experimental e comportamental. Esta tem procurado, com assinalável sucesso diga-se, mostrar como as previsões originais falham precisamente porque estão ancoradas em hipótese redutoras (ou parcimoniosas como lhes chamou Hirschman) sobre o comportamento humano.
Nota. Sobre a teoria da escolha pública pode consultar-se com proveito o livro de introdução de André Azevedo Alves e José Manuel Moreira. Os economistas portugueses da chamada escola austríaca, a ala mais sofisticada e intransigente da movida neoliberal, sabem bem que a teoria da escolha pública, de que Olson é fundador, é uma das melhores armas contra todos os projectos socialistas, antigos ou modernos.
Game theory (e.g. John Nash) and some convenient interpretation of genetics (the selfish gene) are the theoretical foundations for Public Choice (e.g. James Buchanan) which itself is the basis for the laissez-faire neo-con policies.
ResponderEliminarThe theory assumes human are like very simple logical machines, a kind of robots, performing endless games and always acting with selfish interests. The impossibility theorem needs these constraints. Basically they reduce humans to simple information processors and then extrapolate to conclude that the market is the best information processor. This is really like Communism, where the state and the Nomenklatura are replaced by the market (big corporations) and the CEOs/board of directors.
"Também não é verdade que nas motivações da acção colectiva só entrem "interesses egoístas". Quando se contesta uma teoria é conveniente não a falsificar..."
ResponderEliminar"É fácil mobilizar o protesto de grupos profissionais contra as reformas que afectam os seus interesses corporativos"
O indivíduo que escreve a primeira frase é muito mais sensato do que o que escreve a segunda...parece que é o mesmo.
Logicamente que uma classe se pode mobilizar por interesses corporativos, agora, aplicar isso no contexto de uma manifestação em defesa da dignidade da escola pública e do professor é ser pouco sério.
Logicamente que esta interpretação da acção colectiva pretende minar a credibilidade da mesma, ao se fazer o contraponto entre uma classe profissional e a "maioria da população" pretende-se sublinhar que existe uma desvirtuação dos mecanismos democráticos. O contraponto é feito em termos de sublinhar a assimétrica representatividade das facções, porque está aí implícito a não democraticidade da acção colectiva. É claro que Vital Moreira nunca iria recorrer a esse raciocínio quando o governo chega a acordo com parceiros sociais de menor representatividade (UGT), mas aqui a coerência é mesmo um estorvo.
Não inocentemente, todos estes raciocínios sobre a acção colectiva fogem à análise da acção em si, em moldes gerais e o mais vagos possíveis retratam um quadro de influência excessiva na decisão democrática face à verdadeira representatividade, é claro que isso não chega, é preciso também deixar claro e inequívoco que essa acção entra em colisão com o interesse colectivo da sociedade (preocupação que é pilar da lógica neoliberal[ironia]).
No último fôlego desta teoria desmobilizadora da acção colectiva, resta-nos perguntar porque afinal se criou este mecanismo tão ultrajante para a saúde democrática?
E é aí que a verdadeira natureza da acção colectiva pode emergir desta concepção pejorativa e redutora. A democracia como mecanismo da vontade maioritária, pode por desatenção, desinteresse ou até egoismo não respeitar sectores minoritários da sociedade. Os homossexuais (não sei se são minoria, mas são com certeza assim encarados), os imigrantes, os deficientes, são exemplos de minorias que através da acção colectiva podem restabelecer a sua dignidade em democracia. A decisão política como instrumento de uma vontade maioritária alheia à realidade de minorias é uma democracia que se nega a si mesma. Os regimes democráticos não se sustentam meramente nos mecanismos formais, consubstanciados pelo sufrágio universal não se esgotam nesse mesmo acto, estes não podem ser dissociados dos princípios que os regem. Se o sufrágio universal fosse condição única de uma democracia sã, então Hitler era hoje um memorável chefe de Estado. Portanto, chegamos ao fim concluindo que, ao contrário desta lógica da acção colectiva esmagadora e desviante, a acção colectiva serve para preencher falhas intrínsecas dos regimes democráticos, são também excelentes mecanismos de acção orientada num regime simples mas que tem muitas áreas de intervenção pública esquecidas/ostracizadas.
João,
ResponderEliminarConcordo contigo sobre a génese original da teoria de Olson e dos usos a que posta por Hayek e outros actores.
Podemos discutir alguns pressupostos antropológicos ou normativos, mas não acho que isso chegue para a refutar. Basta descer o nível do debate para onde ele é mais produtivo, parece-me, do ponto de vista político, para ver que se Olson não tem sempre razão, o que ele diz pode ser correcto em muitos casos empíricos. A redistribuição não é intrinsecamente perversa nem é sempre nem por definição capturada por interesses particulares. Mas pode sê-lo e isso acontece efectivamente milhões de vezes. A questão é mais utilmente 'tackled' do ponto de vista empírico.
'Infelizmente', eu acho - mas é um palpite, não o resultado de nenhum estudo - que a lógica Olsoniana é útil para perceber o que se passa no caso dos professores em Portugal. Não que esta grelha de análise diga tudo sobre este caso empírico, mas há semelhanças demais para evitarmos uma análise séria. E não preciso de achar que os professores sao particularmente egoístas - porque não são, nem acho que a questão seja essa -, nem entrar em grandes considerações antropológicas. Uma imagem do actor humano bastante flexível como a defendida por Herbert Simon chega.
A melhor defesa política e normativa da redistribuição passa por sabermos quando esses casos acontecem, porque acontecem, e como os podemos evitar para fazer com que mecanismos redistributivos funcionem de forma eficaz - e não dêem àqueles que os odeiam motivos para estarem empiricamente correctos.
abraço,
Hugo
"Podemos discutir alguns pressupostos antropológicos ou normativos, mas não acho que isso chegue para a refutar."
ResponderEliminarNão chega para a refutar, nem para a afirmar, as teorias sobre a natureza humana explicada por humanos são uma rasteira da lógica. Se os humanos nos dizem que a natureza humana tende para o egoísmo, porque havemos de supor que o afirmam sem esses mesmos condicionalismos da natureza humana? Nomeadamente, quem nos garante que o afirmam sem intenções também elas egoístas?
"Mas pode sê-lo e isso acontece efectivamente milhões de vezes. A questão é mais utilmente 'tackled' do ponto de vista empírico."
Não concordo, acho que um ponto de vista empírico até fortalece a teoria, agora de um ponto de vista realista e objectivo podemos mais facilmente refutar a teoria. Isto porque a acção colectiva, e entenda-se nos moldes específicos da acção colectiva democrática e institucional, é a luta das franjas da sociedade que de facto precisam desse núcleo de suporte. Não vou voltar a enumerar as objectivas e reais instituições que existem, e as objectivas e reais condições de marginalização a que estão sujeitas. São precisamente as franjas da sociedade verdadeiramente privilegiadas que se movem em pequenos colectivos mas em acções que se escondem do escrutínio democrático. O poder de influenciar a decisão política é salutar e é pressuposto lógico da democracia, agora o salto lógico que aqui se dá, é que essa influência na decisão política escapa à maioria dos cidadãos quando pequenos núcleos se movimentam. Só que é aqui que os mecanismos devem ser clarificados, a acção colectiva democraticamente certificada (sindicatos, organizações não governamentais...) é, nesta linha de pensamento neoliberal, injustamente associada a mecanismos de pressão sobre o poder político menos claros, que usam meios não escrutinados e opacos para a opinião pública.
"E não preciso de achar que os professores sao particularmente egoístas - porque não são, nem acho que a questão seja essa -, nem entrar em grandes considerações antropológicas. Uma imagem do actor humano bastante flexível como a defendida por Herbert Simon chega."
Mas é aí é mesmo que a teoria falha, por tentar centrar o domínio da acção política nas peculiaridades do actor humano. Não existem visões flexíveis que abranjam a complexidade da acção humana, e são as próprias ciências sociais as primeiras a reconhecer essa limitação intrínseca. O actor humano na realidade democrática é muito mais complexo, porque a gestão do bem público o obriga lidar com diversas realidades e a criar um espaço comum onde as divergências sejam reais mas aceitáveis. É no exercício da gestão política democrática que as peculiaridades do actor humano se esbatem para dar lugar à coexistência pacífica dessas mesmas peculiaridades do actor humano. A própria democracia é acção colectiva mais nobre que à memória...e daí iríamos para o debate da acção colectiva do Estado Nação no contexto de uma realidade globalizada, mas por aí, estas teorias já não se arriscariam a ir...suspeito.
"A melhor defesa política e normativa da redistribuição passa por sabermos quando esses casos acontecem, porque acontecem, e como os podemos evitar para fazer com que mecanismos redistributivos funcionem de forma eficaz - e não dêem àqueles que os odeiam motivos para estarem empiricamente correctos."
Logicamente que temos de saber, a democracia tem mesmo de lutar pelo escrutínio público das assimetrias, mas repare que isso e feito no contexto oposto ao do neoliberalismo. É que se não bastasse a refutação desta teoria da acção colectiva, então atente-se pura e simplesmente na alternativa apresentada. O modelo "alternativo" neoliberal é precisamente um modelo que renega o escrutínio público e a regulação das instituições democráticas, é a defesa da captura dos sectores vitais públicos pelo sector privado. A conversa que estamos a ter acontece porque existe escrutínio, existe uma relação de poderes transparente (você pode saber quando ganha e paga de impostos um funcionário público, e pode ter a certeza que os paga), paradoxalmente o modelo "alternativo" preconizado foge a esse mesmo escrutínio que é necessário para combater as desigualdades que servem de base a esta teoria.
Ou seja..."o rei vai nu".
errata:
ResponderEliminaronde se lê:
"A própria democracia é acção colectiva mais nobre que à memória"
deve-se ler:
"A própria democracia é acção colectiva mais nobre que há memória"
Já agora, o livro recomendado pelo João Rodrigues intitula-se "O que é a Escolha Pública?".
ResponderEliminarJoão Dias, obrigado pelo seu contributo para esta discussão. Alguns comentários:
ResponderEliminar1)Esta luta dos professores, até pela dimensão que atingiu, não pode, nem deve, ser encaixada na «lógica da acção colectiva». Há aqui algo mais. Há uma genuína preocupação com a escola pública que não deve ser ocultada. É um activo. O governo vai ter que mudar de estratégia.
2) A escola pública não sobrevive sem o envolvimento activo dos profissionais. Por isso é que é perigosa a oposição, já testada noutros contextos, entre o «interesse egoísta» de quem aí trabalha e o interesse público. Este tem sido o modelo implícito em muita da acção governamental.
3) Este tipo de protestos são parte da vida democrática e são, ao contrário do que muitos pensam, uma demonstração da sua vitalidade. O conflito não é uma ameaça. É um pilar. Que dá robustez a longo prazo.
4) Também na área espinhosa da avaliação não há processo que resulte sem a participação empenhada dos professores. Estes têm que ser persuadidos. Persuasão e consenso como alternativa à lógica do comando e da pose de autoridade. E que tal uma introduzir uma lógica mais experimental e gradual. Para ver o que resulta?
5) É evidente que podemos ter assimetrias na capacidade de mobilização de certos grupos, mas aquilo que as determina nunca é dado. E são muitas as variáveis que determinam a capacidade de cada «grupo» em mobilizar os «seus» e em estabelecer alianças com outros. Concordamos que temos de trabalhar com modelos mais abertos das motivações humanas. E isto não é inócuo para a condução das políticas públicas.
7) Acho que já vai sendo tempo do governo parar com um tipo de discurso, que parece tirado de manual da escolha pública. Muito contribui para minar a confiança da população nos serviços públicos. As palavras são importantes. E as falhas começaram aqui.
Um abraço Hugo.
E obrigado bz. Falha corrigida. A blogoesfera é prova de que os processos não-mercantis têm poderosos mecanismos de difusão do conhecimento.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCaro Joao Dias,
ResponderEliminarAlgumas das suas observações merecem-me notas concretas:
“Isto porque a acção colectiva, e entenda-se nos moldes específicos da acção colectiva democrática e institucional, é a luta das franjas da sociedade que de facto precisam desse núcleo de suporte.”
Os professores são uma “franja” da sociedade? Qual é o sentido de “franja”? É que os professores são profissionais altamente qualificados, e, no topo da carreira – a que todos chegavam – aliás bem pagos, por comparação com os seus congéneres europeus. Atenção: isto não é um “ataque” aos professores, é uma constatação elementar para dizer que os professores não são me parecem ser propriamente o típico “underdog” à mercê da tirania patronal.
“São precisamente as franjas da sociedade verdadeiramente privilegiadas que se movem em pequenos colectivos mas em acções que se escondem do escrutínio democrático. O poder de influenciar a decisão política é salutar e é pressuposto lógico da democracia, agora o salto lógico que aqui se dá, é que essa influência na decisão política escapa à maioria dos cidadãos quando pequenos núcleos se movimentam.”
Pois é, este problema aplica-se neste mesmíssimo caso!
“Mas é aí é mesmo que a teoria falha, por tentar centrar o domínio da acção política nas peculiaridades do actor humano.”
Repito: podemos estudar estas matérias mantendo-nos agnósticos quanto a qualquer modelo antropológico do humano. Vários insights de Olson sobrevivem sem qualquer pressuposto naturalista sobre o egoísmo.
“O modelo "alternativo" neoliberal é precisamente um modelo que renega o escrutínio público e a regulação das instituições democráticas, é a defesa da captura dos sectores vitais públicos pelo sector privado”
Pois é, mas a "captura" TAMBÉM existe o sector público. É esse o problema a que não podemos fechar os olhos, encadeamos que ficamos com o “neoliberalismo”.
abraço
Hugo
Caro João,
ResponderEliminarTu pareces considerar que as críticas (governamentais ou outras) aos profissionais assentam/passam a ideia de que é o egoísmo o mecanismo orientador das suas acções. Mas isto é cair numa dicomotia que é frágil: ou não criticamos os profissionais, ou se o fazemos é porque assumimos que são egoístas. É por isso que eu acho que as críticos a Olson et al. que atacam o modelo antropológico egoísta são fracas; a questão não é a do egoísmo nem do altruísmo, não tem a ver com mecanismos primários da acção humana. Proponho um pacto agnóstico nesta discussão: não sei o que move profundamente o humano, e não quero saber. O fulcro do debate tem a ver fundamentalmente com o desenho das instituições, e qual é o mix de regras e incentivos que melhor permite defender o interesse público. Para reforçar o que já havia escrito, podemos perfeitamente ser críticos da forma de funcionamento de escolas, hospitais e tribunais sem achar que professores, médicos e juízes são naturalmente movidos pelo egoísmo e pela maximização dos seus interesses. Pelo contrário, a racionalidade dos actores – em particular no interior de organizações - é profundamente limitada e adaptativa, e varia com o seu desenho, com as suas regras e com as relações com o exterior; se, no caso em análise, os professores durante anos e anos trabalharam segundo um regime que os levou a adaptar a certas formas de funcionamento da organização e criar certos hábitos e expectativas; e se esses regras, hábitos e expectativas são prejudiciais para uma certa ideia de funcionamento da escola pública que o Governo tem a obrigação de promover, então é preciso mudar algo. Não preciso de acusar ninguém de egoísta, preguiçoso ou outra coisa do género quando as pessoas trabalham de certa forma que é sub-optimal em 'n' dimensões, ou quando se manifestam para proteger, em virtude de descontamento (legítimo), as suas conquistas profissionais. O que fundamenta muitas das acções do Governo que são vistas como ataques aos grupos profissionais são duas coisas: a) as “conquistas” dos profissionais produzem externalidades que são negativas para muitos grupos; b) o interesse (por vezes híbrido, difuso, estabilizado e objectivado em última análise pelos sindicatos na mesa das negociações ou na rua) dos profissionais, legítimo em si, não se deve confundir com o interesse público. Não significa que seja o seu oposto, nem que os profissionais sejam uns sacanas. Significa apenas que os interesses não são coincidentes, e que a escola é pública precisamente porque serve o público em primeiro lugar, e não porque serve os professores acima do resto. Há uma diferença fundamental entre meios (os profissionais) e os fins (o público) de um serviço público (de educação, saúde, etc.). E é isto que muitos defensores (por vezes incondicionais) das “lutas profissionais” esquecem – e, talvez por força de um “superego” marxista, confundem o interesse público/universal com o interesse dos trabalhadores/profissionais. Para mim, a génese do problema de análise reside aqui.
Abraço
Hugo
Caro Hugo,
ResponderEliminar1) Nenhum grupo profissional está acima da crítica. Era o que mais faltava. Mas quem tem responsabilidades governativas tem de reconhecer que as suas declarações têm uma dimensão expressiva forte: ajudam a cristalizar visões sobre os padrões de comportamento dos profissionais que tutelam. A ministra da educação e os seus secretários de estado não têm estado bem neste campo. Como sublinhou o Rui Tavares em excelente artigo no Público preferiram um tom confrontação que alimentou um ambiente irracionalmente histérico contra os «malandros» dos «professorzecos».
2) Aliás o Governo tem usado e abusado da retórica dos «interesses corporativos» e dos «privilégios» numa estratégia para canalizar o descontentamento social para os profissionais das instituições alvo de «redesenho». Isto é um plano inclinado sem fim: lembro-me do ministro da economia a criticar os trabalhadores da autoeuropa (ou seria da opel?) em greve porque estavam a defender os seus «privilégios», por contraste com os trabalhadores de outros sectores, pondo assim em causa a indústria nacional. Além disso isto tem sido claramente selectivo. Eu preferia que o governo destacasse e atacasse as fontes mais salientes de injustiça e de poder não escrutinado em Portugal. Não o fez, nem o fará, preso que está a um guião.
3) A minha discussão de Olson foi motivada pelo uso, que considerei revelador, dado por Vital Moreira para caracterizar o movimento dos professores. Além disso há aqui um interesse especial meu. Sinceramente acho que o guião do governo só tende a ter personagens unidimensionais. Claro que a «dicotomia» interessante está entre uma visão monista do comportamento humano e uma visão, que julgo partilharmos (institucionalistas que somos…), que reconhece que existe uma interacção complexa entre as instituições e aquilo que as pessoas reconhecem como o seu interesse e o dos outros. E a persuasão pode ajudar. Isto não é só incentivos. Além disso uma política exclusivamente comprometida com eles tende a aceitar implicitamente uma visão empobrecida da acção humana
4) Pelo que vejo, ouço e leio, muitas das iniciativas do governo na área da educação, até pela sua natureza atabalhadoada, apenas têm desmobilizado a reserva de dedicação, competência e profissionalismo que existe na escola pública, sem «incentivar» os que «preferem não o fazer». Há aqui «falhas de governo». Sobre as externalidade negativas terás de ser mais especifico. Onde e porquê?
5) Os profissionais não são meros «meios». Sem a sua acção não há bem público que nos valha. Acho que apesar de tudo os teus comentários continuam a não reconhecer que o sucesso da política aqui também se mede pela forma como mobiliza os profissionais e as suas associações para os fins desejados (achas realmente que ensino foi capturado pelos professores?). Questão de eficácia. Sem isso entramos no reino das consequência imprevistas indesejadas...
Hugo,
ResponderEliminarEntenda franja como fracção da sociedade, não ponho na palavra em si nenhum valor simbólico.
Sim, os professores que chegam ao final da carreira são bem pagos, mas é assim mesmo que deve ser, acho que andamos todos a lutar contra a pobreza e não contra a classe média. São bem pagos e merecem, são quadros com níveis elevados de formação superior e se, por um lado, dizemos que o problema de Portugal são os baixos níveis de qualificação, não podemos depois querer pagar mal a quem efectivamente tem formação superior. Aliás o contrário só descredibilizaria um sistema que se pretende meritocrático, sem que no entanto seja forte com os fracos, isso já é a "meritocracia de direita".
Em relação aos professores serem bem pagos no contexto da Europa, só lhe digo que isso é verdade para os escalões superiores, acontece que toda a gente passa pelos inferiores. Veja estes links. 1 2 e tire as suas conclusões.
Pois é, este problema aplica-se neste mesmíssimo caso!
Pois, é aqui que estamos em desacordo. Repare que o manifesto público e a sindicalização são formas válidas e democráticas de trazer a público pontos de vista mais ou menos válidos. O que é anti-democrático é por exemplo usar o dinheiro para influenciar as decisões democráticas...os professores manifestaram-se para que fossem ouvidos e estão a ser julgados por isso. E assim é que é natural, porque você pode julgar a actuação dos professores, ela foi pública e os seus intervenientes disseram o que pretendiam, por outro lado você terá mais dificuldades em debater a razoabilidade dos interesses privados porque isso se passa numa esfera de nebulosa. Eu já disse e repito, eu defendo a sindicalização do patronato, estes podem organizar-se em instituições democráticas para depois fazerem chegar a sua voz aos agentes políticos...mas não é isso que acontece, preferem contornar a democracia. Poderiam debater estratégias para o sector produtivo português, podiam elaborar estratégias conjuntas para modernizar as empresas. Os professores através da acção colectiva podem discutir estratégias para educação e podem, também, reivindicar a manutenção do seu estatuto salarial.
Se quer debater a razoabilidade das reivindicações dos professores é outro assunto que debaterei com gosto, agora quando eu digo que são "as franjas da sociedade verdadeiramente privilegiadas que se movem em pequenos colectivos mas em acções que se escondem do escrutínio democrático", é para mim bastante claro que a manifestação da classe docente não se enquadra aí pelas razões já apontadas.
"Repito: podemos estudar estas matérias mantendo-nos agnósticos quanto a qualquer modelo antropológico do humano. Vários insights de Olson sobrevivem sem qualquer pressuposto naturalista sobre o egoísmo."
Primeiro, comentávamos afirmação de Vital Moreira que, contextualizada por João Rodrigues,encaixava na teoria de Olson. Acontece que expressando claramente que o sistema distributivo será injusto por que será capturado por interesses, está-se claramente a dizer que alguém lesa outrem de forma consciente, e isso é, nem mais nem menos, do que partir de um pressuposto que infere lógicas comportamentais no ser humano.
"Pois é, mas a "captura" TAMBÉM existe o sector público. É esse o problema a que não podemos fechar os olhos, encadeamos que ficamos com o “neoliberalismo”.
"
Não, não existe captura de serviços. Repare que um Estado democrático rege-se pela lógica dos cidadãos/eleitores, para "capturar" esses serviços era porque o fazia à revelia da vontade dos mesmos. Quando se desrespeita a vontade dos cidadãos/eleitores a democracia começa a deixar de o ser. Para ser mais concreto, tem dúvidas que as pessoas querem serviços de saúde públicos? Tem dúvidas que as pessoas querem ter um sistema de educação público? Você não quer? O privado tem o seu espaço, não pode é querer que o Estado abdique dos seus serviços para que o sector privado fique em regime de monopólio sem dar alternativa ao utente.
"Mas isto é cair numa dicomotia que é frágil: ou não criticamos os profissionais, ou se o fazemos é porque assumimos que são egoístas."
Nada, disso não criei nem pretendo criar essa dicotomia, eu próprio tenho as minhas críticas aos sistemas públicos e aos seus actores. Dizer que na génese da teoria está um pressuposto de egoísmo é bastante diferente de por as coisas nos termos maniqueístas em que você colocou. A questão que nos divide é que eu crítico porque quero mais e melhor serviços públicos, Olson et al criticam porque não querem Estado, não querem serviços públicos e apenas os pretendem descredibilizar.
"O fulcro do debate tem a ver fundamentalmente com o desenho das instituições, e qual é o mix de regras e incentivos que melhor permite defender o interesse público."
Então façamos esse debate, eu sou defensor das instituições públicas como garante da redistribuição da riqueza e como garante de acesso a toda a classe social aos serviços básicos desde saúde, educação, alimentação, justiça, segurança...
Olson e companhia parecem achar que esses serviços deviam estar a ser prestados exclusivamente pelo sector privado, ou melhor que se fizesse uma desorçamentação do Estado através do estrangulamento do sistema tributário (aliás é aí mesmo que se dá o ataque, no sistema distributivo) para depois, logicamente, o sector privado ganhar terreno perante serviços públicos sem fonte de financiamento.
"e se esses regras, hábitos e expectativas são prejudiciais para uma certa ideia de funcionamento da escola pública que o Governo tem a obrigação de promover, então é preciso mudar algo."
Consegue-me dizer sinceramente qual era essa ideia e onde colidia com as reivindicações dos professores? Ora diga-me lá, se houvesse quotas para as notas dos alunos, também achava justo? O que acharia dessa medida se fosse anunciada como medida para combater o facilitismo? Só a vontade de efectivamente diminuir quota salarial justifica tamanha incongruência. Aliás se você, como eu, não sustenta dicotomias simplórias, deve estar zangado com o governo que depois de ouvir da boca dos professores que querem um sistema de avaliação diferente disse que estes não queriam ser avaliados.
"Significa apenas que os interesses não são coincidentes, e que a escola é pública precisamente porque serve o público em primeiro lugar, e não porque serve os professores acima do resto."
Mas então se falemos dessa colisão, expliquemos onde ela se dá, concretize. Acho que podemos deixar-nos de "rodriguinhos", afinal são mesmo os salários dos docentes que estão em jogo. Então vejamos, queremos igualdade social certo?
Então temos uma pêra na balança, a meio da balança temos quatro e na outra extremidade temos vinte, você pega numa das quatro pêras do meio e junta à pêra que se encontra sozinha numa extremidade. É isto que, na melhor das hipóteses, acontece se você achar que se deve baixar o salário dos professores.
Os mecanismos profundos de desigualdade social perpetuam-se por causa da corrupção, da fraude e evasão fiscal, de não serem taxados os lucros, de haver demasiada especulação financeira, dos privilégios da banca, da exploração barata de mão-de-obra, do desemprego, de um sistema fiscal injusto, do abandono/insucesso escolar...
E você quer começar por baixar os rendimentos dos professores?
P.S. Já que discutimos os defeitos do Estado, então seja claro e diga quais as alterações ou alternativas que propunha?