Os ensaios compilados no dossier do esquerda, os contributos de Daniel Oliveira e de Miguel Portas são a melhor forma de superar a pesada herança da Revolução, evitando «levar o bebé com a água do banho».
De Daniel Oliveira retenho a ideia do paradoxo da revolução russa: o de ter contribuído para tornar a vida mais decente no capitalismo pelo facto de ter dado às classes subordinadas os meios para ameaçarem com alguma credibilidade o estatuto das classes possidentes, obrigando-as assim a concessões. Ainda hoje beneficiamos disso. De Miguel Portas retenho a ideia crucial de que se deve assumir toda a herança, tragédias incluídas, para que a história não se repita.
No trabalho de São José Almeida no Público gostei particularmente da ideia de Silva Melo de que o que interessa hoje «são mesmo os vencidos do comunismo». Cita os nomes de Rosa de Luxemburgo, Bukharine e Gramsci. Não se trata de descobrir puros ou uma tradição não contaminada. Todos foram actores políticos do seu tempo, perfeitamente inscritos na tradição marxista para a qual deram importantes contributos. Trata-se simplesmente de perceber como em momentos charneira apontaram caminhos e soluções alternativas que contêm pistas para a mais do que necessária reconstrução de um discurso genuinamente emancipatório.
Rosa Luxemburgo quando logo em 1918 critica os bolcheviques e defende o pluralismo político, a liberdade de organização e de expressão como elementos centrais da prática socialista sem os quais «a burocracia se torna o único elemento activo». Bukharine que pagou com a vida a contestação à marcha forçada para a industrialização através da extracção do excedente agrícola por via da colectivização total, intuindo aí as razões profundas da monstruosidade estalinista. Trotsky nos anos trinta chegaria também à conclusão convergente de que existe uma imbricação entre o pluralismo das formas de organização económica e o pluralismo político, a tese da necessária «impureza» de qualquer formação social que considero ainda hoje das mais profícuas. Gramsci quando coloca o socialismo no quadro do problema da redefinição da relação entre o Estado e a sociedade civil plural e autónoma em que esta se apropria genuinamente daquele, levando à eliminação progressiva da sua natureza coerciva. Não se trata de lutar pelo desaparecimento do Estado. Esta formulação, juntamente com a hipótese da abundância, torna as coisas demasiado fáceis e só pode conduzir a becos sem saída para quem quer construir «utopias reais». Trata-se antes de conceber o Estado como instrumento, condicionado por regras e formas de controlo genuínas (aqui o liberalismo político tem muito que ensinar ao marxismo), para a extensão da democracia a um número crescente de esferas da vida social e para garantir a todos os recursos necessários para o florescimento individual.
E depois há uma reflexão, que lentamente vai fazendo o seu caminho à esquerda, e que aponta para a ideia de que um discurso político que não incorpore uma reflexão moral adequada sobre os meios e os fins pode ficar reduzido a uma deformação utilitária. Já nos anos trinta o filósofo John Dewey, num notável debate com Trotsky, tinha detectado aí uma das mais desastrosas ausências do marxismo revolucionário. Também aqui há vencidos a recuperar. Não conheço melhor forma de lembrar os «dez dias que abalaram o mundo». «Aprender, aprender, aprender sempre».
Sou um assíduo leitor do vosso blog e antes de mais nada deixem-me que vos diga, continuem o bom trabalho!
ResponderEliminarMostrar que a economia é uma ferramenta que deve estar ao serviço do bem comum e não um dogma que preconiza a inexorável inevitabilidade da concentração de poder e capital nas mãos de meia dúzia de particulares é de importância capital.
Ainda antes de ir à Revolução, relativamente a Siko e Michael Moore, concordo inteiramente com o que escreveste nos posts anteriores.
Bom, a Revolução… sem dúvida “Aprender, Aprender…”, sem dúvida que há mais vida para além do marxismo, mas por mais boas ideias que se tenha a realidade acaba sempre por apresentar questões que não têem uma resposta óptima…
Para dar resposta ao aqui e agora, em momentos de grande crise, ou se tomam decisões que poderão dar uma hipótese ao futuro, ou pura e simplesmente abdicamos de vencer. Ou se anda no comboio blindadado a apagar fogos de um lado para o outro e se decreta a mobilização geral (com tudo o que isso implica), ou abdicamos da esperança de construir um outro mundo…
Quando temos a oportunidade, e a oportunidade também se constrói (é isto que os mais sectários esquecem), há que agarrá-la com as duas mãos e claro «Aprender, aprender, aprender sempre» para no mínimo não repetir os mesmos erros.
Para algo menos genérico convido-vos a ler o meu post no mundo em guerra - www.mundoemguerra.blogspot.com