Num contexto de desemprego elevado, de generalização da precariedade e de proliferação de relações laborais atípicas que aumentam os laços de dependência, fazer greve tem custos demasiado elevados para demasiados trabalhadores. O poder nas relações económicas é isso: a capacidade que A tem de fazer com que B faça o que A deseja porque A tem a capacidade de impor custos sobre B se isso não acontecer. Em Portugal, os patrões têm hoje demasiado poder. A ameaça de despedimento é obviamente a principal arma. Em tempos de crise essa ameaça é demasiado credível.
Por isso, é natural que a greve ocorra sobretudo onde os trabalhadores conquistaram uma maior capacidade, através da sua acção colectiva, de diminuir esses custos. Por isso é natural que a greve geral de ontem tenha sido mais elevada na função pública, nas empresas públicas e em algumas grandes empresas do sector privado onde os trabalhadores estão mais organizados e resistem melhor à fragmentação das solidariedades de classe. Também é claro que a mobilização nestes sectores, pelas exigências que coloca na agenda política, tem impactos positivos sobre todos.
Dito isto, parece que até aí a greve também não atingiu a adesão de outras greves. A conclusão parece-me tão clara quanto dura: «foi a mais fraca greve geral até hoje organizada em Portugal». Embora haja lutas em que o mérito está todo em nelas participar, mesmo que se perca, é preciso dizer agora que a greve geral parece não ter cumprido os seus objectivos de mobilização. Apurar as razões para este facto deve ocupar seriamente o movimento sindical nos próximos tempos. Pesada agenda. Esperemos apenas que dessa agenda estejam afastadas tentações de impor linhas sectárias na estratégia do movimento sindical.
Tanta depressao, tanto fado! Porque e' que cada greve ou manifestao tem que ser tornada em referendo? Parece que estamos de fora a olhar por cima do ombro da historia. Nao gosto desta objectividade.
ResponderEliminarÉ lamentável que se convoque uma greve geral sem um objectivo concreto, que seja facilmente lido por todos os trabalhadores. Há uns anos atrás foi a legislação laboral. Desta vez foi o quê? "Lutar pela mudança de políticas"?
ResponderEliminarNão é surpresa que Carvalho da Silva tenha, ao que se diz, sido contrário à convocação desta greve. Ele é um homem do terreno e saberia certamente que os trabalhadores só seriam mobilizados por objectivos concretos e palpáveis. Pena que não tenha tido força suficiente para fazer vingar o seu caminho.
Grande vitória para as teses (neo) liberais! Derrota pesada para o sindicalismo!
A partir deste momento, Sócrates está na prática legitimado para fazer o que bem entenda...
Cara A. Cabral,
ResponderEliminarNão é objectividade. É um esforço para analisar de forma realista a situação. Tive dúvidas sobre o momento e sobre os termos justos certamente (isso nunca esteve em causa), mas como diz bem o Rui algo difusos. Como sempre deve ser nestes casos, o optimismo da vontade foi mais forte. É so isso. Não estou de fora. Estou dentro. Não sou analista, nem procuro falsas posições de distanciamento. Eu há muito que escolhi o lado certo.
E se pensassemos na incapacidade que o sindicalismo tem de chegar àqueles que trabalham nos serviços de "call center" e para empresas de subcontratação? O sindicalismo emperrou e nunca mais arranca, talvez porque se dê demasiada atenção a questões conjunturais e circunstanciais. A greve falhou porque o sindicalismo e o modelo de crítica laboral é fraco e conformou-se. Aqui e em todo o lado.
ResponderEliminarO sindicalismo emperrou, é verdade, mas as pessoas também se acobardaram. O sindicalismo ao longo dos anos fez-se frente as baionetas. Se é verdade que o governo assumiu posicoes intimidatórias brutais, tal nao quer dizer que as pessoas se fiquem. Ou reagem ou também comem da merda que merecem.
ResponderEliminarPS - Juro que nao tenho accoes da CGTP.
Samir, o sindicalismo emperrou também porque as pessoas se acobardaram (e acomodaram). Concordo em absoluta. Por que razão as pessoas se acobardaram? É uma discussãoq ue vale a pena.
ResponderEliminarCaro Joao,
ResponderEliminarUm breve passeio pela blogosfera faz nota de que o virus do score-keeping, da contagem, tomou a esquerda portuguesa.
E' manifesta a preocupacao de fazer contas se a greve foi maior, mais pequena, larga, curta, triangular, convexa. Entre a aritmetica e a trignometria esquecem-se de apontar que foi um acto de revolta, de repetir quais foram os temas que a motivaram, de localizar os males estares. De usar a greve como justificacao para entrar no pormenor.
A conversa perdeu-se dos motivos da greve, e obstina-se na sua dimensao. Esta e' um objectividade de fora a olhar para dentro. Nao es tu, e' a conversa (eis novamente o meu pos-modernismo).