terça-feira, 10 de junho de 2025

Três notícias e cinco notas


1. O ressurgimento de bairros de barracas em concelhos da Área Metropolitana de Lisboa, onde se estima vivam hoje cerca de 3.000 famílias (seriam 1.800 num levantamento feito também pelo Expresso em 2019), constitui a evidência mais grave e impressionante do ponto a que chegou a crise de habitação no nosso país. Já não estamos apenas a falar do desfasamento crescente entre preços da habitação e rendimentos das famílias. Estamos perante a incapacidade objetiva de muitas famílias em aceder a um alojamento com condições minimamente dignas de habitabilidade.

2. Têm por isso razão os serviços da Comissão Europeia ao assinalar que as medidas adotadas nos últimos anos em Portugal são incapazes de responder às causas estruturais da crise. Sendo certo, porém, que às medidas propostas (controlo de rendas e restrições ao Alojamento Local), deveriam somar-se mecanismos robustos de regulação das procuras especulativas, externas e internas. Tal como convinha, já agora, que a União Europeia assumisse a sua pesada responsabilidade pelo incentivo às lógicas liberais de mercado, fingindo não saber que este, deixado à solta, é incapaz de assegurar a provisão de habitação (como ainda parece pensar, com insidiosa teimosia, o ministro Castro Almeida).

3. Continuamos, de facto, sujeitos à tese simplista dominante - que a comunicação social trata de difundir e consolidar - segundo a qual tudo se resume a uma mera falta de casas, como se bastasse construir mais para ultrapassar a crise. Ignorando, desde logo, que o número de alojamentos e de famílias pouco se alterou na última década (mesmo nas áreas metropolitanas), a ponto de justificar a subida vertiginosa dos preços desde 2013. Ignorando, em segundo lugar, que a habitação se converteu num ativo financeiro e que a procura deixou de estar delimitada às fronteiras nacionais, gerando efeitos de arrastamento dos preços. Diagnósticos errados geram políticas ineficazes.

4. Como Ricardo Paes Mamede já aqui assinalou, as reações dos liberais cá do burgo às recomendações dos serviços da Comissão Europeia (e que de resto não foram acolhidas pelo Conselho no documento final), não se fizeram esperar. Uma vez mais, voltando a defender a ausência de limites legais à fixação do valor das rendas, num país onde a regulação do arrendamento praticamente não existe, ao contrário da generalidade dos países europeus. E insistindo, uma vez mais também, no falso e eterno mito do congelamento das rendas.

5. Voltemos às barracas. Por razões muito distintas das do passado, bairros de lata voltam a despontar na Área Metropolitana de Lisboa. Não se trata, como então, de uma efetiva escassez de alojamentos para acolher os milhares que rumaram à capital. Trata-se agora, isso sim, da incapacidade de conseguir casa num mercado dinamizado por novas procuras especulativas com elevado poder aquisitivo, num contexto de défice de regulação. O que torna ainda mais repugnantes e inaceitáveis ações de demolição que não acautelam previamente soluções alternativas para os moradores. Tanta determinação demagógica para umas coisas e tanta falta de coragem política para outras.

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