sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Para uma Economia antifascista


Isabella Weber, notável economista sinóloga, que reintroduziu o controlo de preços estratégicos na agenda intelectual de uma profissão desmemoriada, fazendo apelo à história e ao bom senso institucionalista, defendeu anteontem que precisamos de uma “Economia [economics] antifascista”. Nada é mais crucial nesta área. 

Afinal de contas, todas as responsabilidades intelectuais pela nova ascensão do fascismo devem ser assacadas aos economistas convencionais, do ensino insalubre à política económica que mata. 

Pela minha parte, repito o que escrevi num artigo para o Le Monde diplomatique - edição portuguesa em 2023: 

Onde estão hoje os liberais que, tal como Keynes ou Beveridge, do final dos anos 1920 aos anos 1940, e perante o fascismo, compreenderam que as liberdades públicas só se salvam e aprofundam se se abandonar o liberalismo económico em todas as escalas, promovendo o pleno emprego, a provisão pública de bens e serviços fundamentais e a redução substancial da desigualdade e da insegurança sociais? 

Em Portugal, tais liberais não existem. Só temos mesmo direito a liberais até dizer chega. Face às iniciativas liberais de tantos partidos, é necessário organizar a mais ampla frente, tão antifascista quanto antiliberal. Em 1943, um notável economista político polaco, cruzando Marx e Keynes, concluía de forma luminosa num tempo sombrio: «a luta das forças progressistas pelo emprego é, ao mesmo tempo, um meio de impedir o retorno do fascismo». Há coisas que não mudam. 

E repito a única crítica ao brilhante livro de Clara Mattei, historiadora da economia política, sobre a forma como a economia austeritária alimentou o fascismo, feita em artigo, também no Le Monde diplomatique - edição portuguesa, há uns meses, onde faço uma breve sugestão, a desenvolver, para a tal economia antifascista: 

A questão que se coloca neste neste contexto é se o marxismo pode e deve articular-se com outras tradições críticas na Economia. Com demasiada severidade, Mattei desconsidera a tradição inaugurada por John Maynard Keynes, argumentando mesmo que este economista não se desviou muito da lógica de classe subjacente à austeridade. 

No entanto, reconhece, ainda que de forma relutante, que Keynes acabou por romper com a ortodoxia. O seu juízo severo justifica-se em parte pela atenção ao período que vai de 1919 aos anos 1920. No entanto, logo em 1919, Keynes já era crítico da prioridade política dada aos credores em Versalhes, o que lhe valeu elogios de Lénine. A sua progressiva descoberta, dos anos 1920 para os anos de 1930, da macroeconomia, da verdade que se encerra na totalidade, a começar pela procura agregada, tem pontos de contacto, de resto sublinhados pela tradição de Cambridge na Economia, com o marxismo e supera de forma radical a lógica da austeridade. 

Por exemplo, em 1929, Keynes estava apostado em persuadir os leitores de algo simples, mas que ia à raiz de um problema crucial: «Tentaremos mostrar-lhe que a conclusão, de que se forem oferecidas novas formas de emprego mais homens serão empregados, é tão óbvia quanto parece e não contém quaisquer problemas escondidos; que colocar homens desempregados a trabalhar em tarefas úteis faz o que parece fazer, nomeadamente, aumentar a riqueza nacional». 

Se é verdade que a tradição iniciada por Keynes favoreceu reformas graduais no marco do capitalismo, incluindo para esconjurar a revolução, também é verdade que a hipótese das finanças funcionais tem por finalidade o pleno emprego. Nascida de uma teoria prática, assentou na articulação entre Tesouro e Banco Central na sua dependência. Aí, o défice é uma variável endógena e não um objetivo de política. É por isso de grande utilidade para as classes trabalhadoras, já que é o pleno emprego que contribui para mudar a relação de forças, incluindo através da descoberta de que não há restrições financeiras, mas sim restrições reais, relacionadas com os recursos comandados pela comunidade. Isto é radical, seja o objetivo final de tipo “socialista liberal”, tal como foi favorecido por Keynes – «quero dizer um sistema em que podemos agir como uma comunidade organizada com propósitos comuns» –, seja de tipo de revolucionário, com a superação de todas a relações de exploração, tal como é favorecido por Mattei. 

A lógica de frente popular, de que precisamos hoje para derrotar os novos rostos do fascismo que a austeridade privilegia, não pode prescindir de alianças intelectuais. É hoje urgente uma aliança entre marxismo e keynesianismo progressista, num quadro soberanista que desafie o mercado único e a moeda única. 

5 comentários:

  1. Mas qual fascismo, quando as pessoas votam livremente? No socialismo, nem o voto (tal como no fascismo) era/é livre, nem a expressão artística nos dois regimes era livre de espartilhos ideológicos. Sobre direitos individuais e liberdade económica nem se fala. As pessoas não são estúpidas. Quem experimentou as duas mundovisões, não as quer de volta. Porque se insiste nisto?

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  2. "Fascismo" para a frente e para trás. Toda esta conversa de fascismo, quando não estamos numa sociedade fascista, apenas normaliza a palavra e lhe retira todo o seu significado.

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  3. Se ao anonimo, os escritos tanto incomodam, tem bom remedio... zuca!

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  4. O Fascismo-Liberal é o verdadeiro sentido da "democracia"-Liberal que nos tentam impingir. E quanto à questão do voto, o Hitler foi eleito, tal como o Netanyahu: serão então democracias?

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  5. O que é o fascismo? Alguém sabe? Será revolucionário, ao querer tomar o poder pela força? No fascismo, o estado tem preponderância sobre o indivíduo por considerar este incapaz de se reger? No fascismo o estado ´concentra em si o poder, controla a sociedade e é intervencionista na economia? É autoritário? Onde está o fascismo em Portugal? Estou curioso...

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