sábado, 6 de julho de 2024

O complexo de vira-lata dos vende-pátrias


Luís Montenegro participou numa conferência da Business Roundtable Portugal (BRP), que teve lugar há uns dias na inevitável Nova School of Business & Economics. O inglês misturado com o português revela o “complexo de vira-lata”, como dizem os brasileiros. 

Montenegro debitou umas inanidades fiscais, destinadas sempre a transferir rendimentos de baixo para cima na pirâmide social, nacional e internacional, mas ineficazes de qualquer outro ponto de vista. 

É para isto que o capital que é grande faz estes investimentos intelectuais e políticos, como tentei antecipar em artigo, escrito aquando do lançamento da BRP. 

Entretanto, o Governo alardeia uma entrevista do tão incompetente quanto neoliberal ministro das Finanças ao Financial Times (FT). Reparai apenas no detalhe do iPhone, com a notícia na app do FT, coroando simbolicamente a política dos vende-pátrias.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Ridiculamente antidemocrático


Os efeitos ridiculamente antidemocráticos do sistema eleitoral britânico estão à vista: um partido com pouco mais de um terço dos votos tem praticamente dois terços dos lugares. O pior do blairismo – “o meu maior triunfo”, disse Thatcher – tomou o poder e promete ser a alternância sem alternativa. A extrema-direita em ascensão agradecerá ainda mais. 

No meio de um desastre político-ideológico sem fim, Corbyn, o melhor Primeiro-Ministro que o Reino Unido nunca teve, foi eleito, conjuntamente com um punhado de outros defensores da Palestina. Ficámos também a saber que os trabalhistas de Starmer tiveram menos votos do que os trabalhistas de Corbyn em 2017 e em 2019. Fraco consolo. 

Escrevi o seguinte em 2019: a tragédia do indispensável Jeremy Corbyn foi a de ter sido sempre fiel à tradição eurocéptica, radicalmente democrática, do melhor trabalhismo britânico até ter sido arrastado pelos europeístas para uma posição inconsistente, que incluiu a defesa de um segundo referendo, quando havia que respeitar a vontade nacional-popular no Brexit, como de resto se tinha feito na eleição de 2017. 

Sim, sempre defendi que o Brexit, com claro conteúdo de classe, era uma oportunidade, a intensificação da democracia era uma oportunidade. Infelizmente, foi desperdiçada pelo melhor da social-democracia. Pelo menos, a Grã-Bretanha está agora mais unida, com o colapso do intragável nacionalismo escocês, e a unificação irlandesa é mais provável.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

3º Pedalada | Macron 2017 = Le Pen 2024?


O reforço da extrema-direita, que se aproxima do poder, é um dos resultados salientes das eleições francesas; estas confirmam que o extremo-centro liberal abre o caminho aos novos rostos do fascismo, mas também assinalam a existência de uma resistência de esquerda. 

Este é o ponto de partida para um debate sobre a situação francesa e os seus impactos além-fronteiras. 

Pedalada, no seu 3º episódio, com um painel composto por Cristina Semblano, economista e professora universitária a viver atualmente em Paris, João Murta, economista e professor universitário e João Rodrigues, coautor deste blogue, economista e também professor universitário e moderação de Paulo Coimbra, economista e também coautor deste blogue. 

A lata de Moedas

Depois de votar sistematicamente contra a prorrogação da suspensão de novos registos de Alojamento Local; de defender autorizações excepcionais para novas unidades; de criticar um estudo que evidenciou o impacto desta modalidade de ocupação turística nos preços da habitação para fins residenciais; de se juntar aos protestos contra medidas de reforço das restrições ao arrendamento de curto prazo de habitações a turistas, aprovadas pelo Governo anterior; e de, já há menos tempo, como também se assinala oportunamente aqui, votar contra uma moção da oposição, a pedir ao atual Governo que não revogue as limitações ao Alojamento Local, Carlos Moedas diz ter sido «o único presidente da Câmara, até agora, que travou o Alojamento Local». É preciso ter topete.


Para quem considera, pelas palavras, atos e omissões que realmente contam, que o Alojamento Local não é um problema em Lisboa, valerá a pena recordar duas coisas. Por um lado, que a capital tem rácios de unidades de AL no total de alojamentos e de habitantes bem acima de cidades como Nova Iorque. Por outro, e sem precedente histórico, que Lisboa perdeu cerca de 3 mil casas na última década, uma quebra que não teria ocorrido se o número de unidades de Alojamento Local existente em 2021 estivesse afeto à função residencial, como se procurou demonstrar aqui.

Azul para todos


No verão da minha infância os dias eram sempre quentes e longos. Era o tempo do campismo, dos grelhadores, da pele macia e brilhante, da praia que se estendia até ao cair da noite, das noites infindáveis sem ruído e que, ainda assim, traziam o som da vida nas árvores, nas gargalhadas e nas bolas que batiam livres sobre o asfalto. Era o tempo das sestas e das festas a cheirar a sardinhas e a farturas no meio das vilas e das cidades onde todos tinham lugar. (...) Creio que já o disse por aqui por mais de uma vez, mas não me cansarei de o repetir: não regresso ao verão da minha infância por nostalgia, mas pela esperança de voltar a ver um país em que o ar é de todos, em que não é preciso entrar em propriedade privada para ver as estrelas ou sentir o mar nos dedos dos pés.

Assim começa e acaba mais uma crónica de Jorge C.. A excelência não é função da visibilidade.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Dividir

Este título e esta foto têm por intenção (ou, pelo menos, por efeito) alimentar a desinformação e o preconceito, já que todos os trabalhadores nas mesmas circunstâncias, independentemente da sua origem, têm a mesma dispensa.

Podemos, neste contexto, usar uma certa tradição da economia política radical norte-americana para ir mais longe. De facto, o capital pode alimentar, através dos seus aparelhos ideológicos, a xenofobia e o racismo, já que estes servem um capitalismo sem pressão salarial: tentar dividir a classe trabalhadora para reinar sem freios e contrapesos, no fundo.

Entretanto, em artigo no Le Monde diplomatique - edição portuguesa, já tinha alertado: tal como outros «perdócios» nesta área, o ECO serve de eco patronal.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Poligrafar o polígrafo


Na versão inicial da publicação, a 21 de junho, o Polígrafo não tinha dúvidas: a frase proferida por Paulo Núncio na AR, segundo a qual «os socialistas já levaram o país três vezes à bancarrota», correspondia à verdade. Três dias depois, a 24 de junho, e muito provavelmente na sequência de reparos feitos pelos leitores, o Polígrafo corrige, reconhecendo «que um dos pedidos de assistência financeira do Estado Português, em 1983, não pode ser entendido como responsabilidade direta ou causado pelos “socialistas”», uma vez que esse pedido surge «na sequência de três anos de governação da Aliança Democrática». A frase de Paulo Núncio passa assim, e bem - no respeito pela verdade de factos que é suposto o Polígrafo assegurar -, de verdadeira a falsa.

Sucede, porém, que ainda há uma outra correção importante a fazer. A ideia de que foi o então governo socialista que levou o país a recorrer a uma assistência financeira em 2011, longe de ser inevitável, também não colhe, sendo impressionante como esta narrativa - que procura ofuscar a responsabilidade do sistema financeiro pela crise, convertendo-a, em termos de perceção pública, em crise das dívidas soberanas, para legitimar a austeridade -, suportada desde o início na comunicação social por um friso monolítico de economistas dispensados de contraditório, ainda persiste no espaço público.

De facto, como se procurou demonstrar por exemplo neste livro, a crise desencadeada em 2008 com o colapso do subprime nos Estados Unidos assumiu um impacto global, com particular intensidade numa Zona Euro disfuncional, obrigando os Estados a socorrer a banca e a conter os impactos da crise financeira na economia. E se num primeiro momento a Comissão Europeia aprovou um plano orientado para «evitar uma espiral de recessão e apoiar a atividade económica e o emprego», acabaria por impor a adoção de políticas de austeridade (como se a responsabilidade da crise fosse dos Estados), que apenas agravaram os problemas. Que isto ainda não seja hoje claro e cristalino é de facto espantoso. Como é espantoso que se continue a usar o termo bancarrota para descrever as finanças públicas de um Estado, como se este fosse uma empresa. Não é. Pode soberanamente decidir do seu destino em quaisquer circunstâncias. Existe para durar.

Serviço


Depois de prometer uma redução da semana de trabalho indolor nas primeiras 20 páginas e de nos aborrecer durante outras 160, Pedro Gomes assassina, sem cerimónias, a sua proposta. No final fica apenas uma obra que faz um desserviço a quem luta e lutou por condições dignas de trabalho (...) Ao ler o livro, fica claro que devemos olhar para Gomes como um veículo de medidas como a redução de salários, aumento da idade da reforma e aumento do horário diário - não de transformar a sexta-feira no novo sábado. 

Excerto de uma útil recensão na República dos Pijamas a mais um armadilha intelectual e política em que alguma esquerda caiu. 

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Comunidade de destino democrático


“Espírito coletivo”, “memória coletiva”, “comunidade”: estas e outras palavras surgiram em testemunhos, ouvidos hoje na Antena 1, a propósito do falecimento de Fausto Bordalo Dias e para sublinhar os seus contributos musicais vivos. Ontem, faleceu o pintor Manuel Cargaleiro, o que “pintou a luz e viveu a cor” até ao fim. E as mesmas palavras podem ter surgido. 

Uma comunidade de destino democrático também foi, é e será forjada, reinventada, pelos seus melhores artistas. Contra a autoflagelação, que só dá munições aos inimigos da democratização da cultura e da cultura democrática, há fortes razões para amar os que amaram este país e as suas potencialidades, deixando rastos para outros, numa cadeia do tempo sem fim.