Diário das Sessões, 19/6/1979 |
O PSD tem um problema grave: esteve demasiado tempo no poder. E, por isso, já não pode fazer o que faz a extrema-direita: defender uma coisa e fazer outra, diametralmente oposta. Mas esquece-se disso.
Ainda hoje, no debate parlamentar sobre a Saúde, em que o PSD apresentou o seu projecto, uma deputada desse partido repetiu ser mentira que o PSD sempre foi contra o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Aliás, o próprio projecto do PSD sustenta a abrir "desde a sua criação, o PSD esteve sempre na linha da frente do desenvolvimento do SNS".
Só que, na realidade, o PSD - juntamente com o CDS - votou, em Junho de 1979, contra o projecto de criação do SNS. O PSD nunca quis um Serviço Nacional de Saúde, como estava na Constituição. Queria antes um sistema dual, em que o Estado não cumpria a sua função de principal e universal prestador de cuidados de saúde, para ser antes um cofre financiador de alguns grupos do sector privado, onde alguém - poucos - iriam beneficiar dos investimentos que assim ficariam garantidos pelos recursos públicos. Por isso, sempre criticou - e de forma violenta e agreste! - o trabalho conjunto dos deputados à esquerda que viria a culminar na aprovação do diploma, publicado em Diário da República.
Quem consultar o Diário das Sessões do Parlamento, verá no interessante debate parlamentar do projecto 157/I que consagrou o SNS uma direita desabrida e de cabeça perdida, usando os argumentos mais rasteiros e primários contra o SNS. Disse há 44 anos, pelo PSD o deputado Teodoro da Silva:
O PS assumiu no debate na especialidade uma "obstinada posição irredutível" e que, logo na discussão do artigo 2.º, se vira "rejeitada a possibilidade de se fugir à total estatização do SNS" [Claro, o problema era a provisão da saúde pelo Estado...].
"Pretendíamos que fosse criado um sistema misto, em que uma correcta articulação do sector público com o sector privado [Claro, sempre a defesa do sector privado] permitisse o livre acesso dos doentes a qualquer tipo de cuidados médicos. Essa articulação produziria "um melhor controle de qualidade e da deontologia dos cuidados prestados pelo sector privado, que, dadas as dificuldades que lhe são destinadas, irá obviamente sofrer a tentação para atropelos deontológicos" [Era mesmo isso que queria dizer?].
O SNS será uma "macromáquina burocrática" que, "aumentando consideravelmente os custos de saúde e conduzindo invariavelmente à total desumanização dos actos médicos", irá provocar a "desumanização absolutamente desqualificada para uma medicina que ao ser praticada por profissionais funcionalizados vai necessariamente ser de qualidade inferior"... [Ao ponto que ia o antiestatismo mais barato.]
O PSD riu-se da confiança de António Arnault de que "as caixas [sectoriais de Previdência] irão desaparecer e delas não ficará pedra sobre pedra". "Nós sociais-democratas... (Vozes do PS: - Sociais-democratas?)... temos a certeza de que com este SNS tudo ficará na mesma. Somos até tentados a afirmar que a desqualificada massificação, tipo caixa de previdência, para que aponta trará maiores prejuízos que benefícios para os Portugueses tão carecidos de cuidados de saúde. Isto vai ser tão assim que este SNS melhor seria apelidado pela designação de "Serviço Nacional das Caixas de Previdência".
Assim não entendeu o PS, que com o apoio do Partido Comunista, viu aprovado um SNS que, em vez de resolver os reais problemas sanitários do povo, antes os vai agravar. Conscientes desta realidade votámos contra. Votámos contra um Serviço Nacional de Saúde burocratizado, funcionalizante e desumanizado". (Vozes do PSD: - Muito bem!) "Serviço Nacional de Saúde que cerceia a livre escolha do médico pelo doente. Votámos contra um Serviço Nacional de Saúde que, querendo, afirmar-se de inspiração no sistema inglês, apenas consegue continuar o tipo de medicina praticado nas "caixas" do antigo regime, pelo que o consideramos demasiado conservador.É visível que muito mudou na posição do PSD tal o ridículo das suas antigas posições! Mas na altura o mesmo disse o CDS. O deputado Álvaro Ribeiro criticou a união à esquerda por ter estragado o projecto inicial, que assim foi "talhado a foice e a martelo" e que, "de monstro que era, passou a monstro mutilado" [Tão pouco polida que era a direita de então...]. O CDS estava contra...
O primado do Estado sobre o indivíduo, que não respeitam a essencial liberdade como norma de existência do homem e que, por isso, temem essa específica relação inter-subjectiva que é o acto médico livre, tudo fazendo para a subverter como tudo fizeram para subverter a história, tradições e mitos, porque, perdida assim a identidade, seríamos presa fácil das ambições internacionalistas que representam (...). Não faremos por ora mais que lamentar esta doença infantil da nossa democracia.
Tanta palavra para justificar uma enormidade.
Não. Nunca estiveram a favor do SNS.
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