1. A maior parte dos jornais, rádios e televisões que constroem e divulgam rankings de escolas, a partir dos resultados dos exames disponibilizados pelo Ministério da Educação, é hoje mais exigente na interpretação dos dados, começando por fim a abdicar da lógica inane que resulta da simples ordenação das médias dos exames para sentenciar quais são as melhores e as piores escolas. A necessidade de enquadrar os resultados com dados de contexto (como as habilitações escolares dos pais ou o perfil socioeconómico das famílias), ou com dados relativos ao percurso escolar dos alunos, é cada vez mais evidente e assumida.
2. O Ministério da Educação permitiu que se desse um passo importante neste sentido ao criar o indicador relativo aos «percursos diretos de sucesso», que permite aferir o progresso dos alunos através da comparação entre os resultados da avaliação e as notas de entrada no ciclo, possibilitando assim uma aproximação muito mais substantiva e fiável à análise do desempenho das escolas. Recorrendo a este indicador, como fez a Rádio Renascença, obtém-se de facto um retrato bastante diferente daquele que resulta da simples ordenação de médias. Se no «ranking convencional» (ordenação de médias) a concentração de escolas privadas entre os cinquenta primeiros lugares ronda os 53%, no «ranking alternativo» («percursos diretos de sucesso»), esse valor cai para 34%, passando as escolas públicas a integrar, em muito maior número, os lugares cimeiros da lista.
3. Subsistem contudo vícios e enviesamentos graves na informação disponível, que distorcem de forma irremediável a comparação entre os estabelecimentos de ensino público e do ensino privado (incluindo o privado com contrato de associação). De facto, as escolas privadas continuam a não disponibilizar dados de contexto, isto é, informação de caracterização dos alunos e das suas famílias, transformando os exercícios de ordenação que assentam exclusivamente nas médias dos exames numa perfeita anedota, dadas as indisfarçáveis diferenças entre os alunos que as frequentam relativamente ao perfil dos alunos do ensino público. E isto para já não falar das práticas instituídas de inflação de notas no privado, que cavam ainda mais fundo o fosso das desigualdades, desde logo aberto com as conhecidas práticas, também elas instituídas e sistemáticas, de seleção de alunos.
4. Enquanto se pretender continuar a elaborar «rankings» de escolas, é essencial resolver este défice de informação. Tal como é essencial que este tipo de exercícios sirva sobretudo para a reflexão interna das escolas (reforçando ainda mais, para esse efeito, os indicadores disponíveis) e para a identificação - por cada comunidade educativa - dos aspetos a melhorar, tendo em vista o aumento dos níveis de inclusão e de sucesso escolar. De facto, a educação não é uma competição entre escolas (era esse o principal desejo dos defensores dos rankings, desde a primeira hora) e menos ainda uma corrida em que as desvantagens de partida são ignoradas no momento de fazer comparações. Existe realmente muito mais vida nas escolas para lá dos rankings e é muito mais o que eles ocultam do que aquilo que revelam.
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12 comentários:
"cavam ainda mais fundo o fosso das desigualdades, desde logo aberto com as conhecidas práticas, também elas instituídas e sistemáticas, de seleção de alunos."
Que existe uma prática, instituída e sistemática, de seleção de alunos no ensino privado todos sabemos. Faz parte da própria natureza do ensino privado.
Mas, caro Nuno Serra, que a sua análise passe por cima da prática, instituída e sistemática, de seleção de alunos no ensino público é que me causa mais estranheza.
Pergunto-lhe direta e concretamente, sobre uma realidade que conhece bem: há ou não uma prática, instituída e sistemática, de seleção de alunos para a Escola Secundária Infanta D. Maria?
E os Liceus (públicos) "famosos" de Lisboa, que são sempre apresentados como sendo a Escola frequentada por x e y?
Subsistem conudo vícios e enviesamentos graves na informação disponível, é verdade, mas não é só relativamente às escolas privadas. Mais grave ainda é a prática, instituída e sistemática, de seleção de alunos para as "melhores" escolas públicas. E isso ninguém se dá ao trabalho de analisar e denunciar. Falta-lhes coragem.
"conhecidas práticas, também elas instituídas e sistemáticas, de seleção de alunos."
Diretora da Escola Básica e Secundária D. Filipa de Lencastre (Pública) em entrevista à RTP:
"dizer repetidamente não a quem quer mas não tem lugar"
http://www.rtp.pt/noticias/pais/escola-secundaria-d-filipa-de-lencastre-em-lisboa-e-a-a-melhor-escola-publica-do-pais_v970108
Quem será que não tem lugar nesta Escola pública? Será o filho do pedreiro ou o filho do engenheiro?
Pois ... subsistem enviesamentos graves na análise à Escola Pública. Mas desses ninguém tem coragem de falar e denunciar.
Sim, caro Anónimo, também existe um fenómeno de selecção de alunos em escolas públicas. Nuns casos com as próprias escolas a adotar mecanismos que o permitam, noutros com as famílias a encontrar expedientes (como a indicação de moradas que não correspondem à residência habitual).
O que contudo não se pode dizer é que nestes casos falte informação sobre os dados de contexto. É possível saber, para as escolas públicas do básico e do secundário, o nível de escolaridade dos pais e o número de alunos com ASE (dados que ajudam, de resto, a tentar estimar esses processos de selecção). Ora, já o mesmo não sucede com as escolas privadas (incluindo as escolas com contrato de associação), já que nenhuma delas disponibiliza, no âmbito dos rankings, esses dados.
"Sim, caro Anónimo, também existe um fenómeno de selecção de alunos em escolas públicas.
..."
O que é extraordinário é que um facto desta gravidade, contrário a todos os princípios da Escola Pública, e muitas vezes "O" argumento central utilizado na análise Escola Pública vs Escola Privada não lhe causa suficiente "repulsa" para merecer um post ou uma análise.
Nem a si nem a ninguém.
Sabe porquê? Porque os filhos de quem faz análises na esfera pública (e de quem gere o Estado) andam nos "D. Maria" e nos "D. Filipa de Lencastre" de Portugal e a esses nenhuma directora diz não. Defendem a Escola Pública inclusiva, mas os filhos andam numa Escola Pública, no fundo no fundo, privada. Mas gratuita. Diga lá que não têm o melhor dos dois mundos?
"Sim, caro Anónimo, também existe um fenómeno de selecção de alunos em escolas públicas."
"dados que ajudam, de resto, a tentar estimar esses processos de selecção"
Caro Nuno Serra,
Fica então aqui a minha sugestão: já que há dados para as Escolas Públicas que ajudam, de resto, a tentar estimar esses processos de selecção, porque não começar por fazê-lo para as Escolas Públicas?
Eu diria até que é mais importante detectar processos de selecção na Escola Pública (onde não deveriam existir e, a existir, são graves) do que interpretar rankings de Escolas Privadas (onde os processos de selecção são adquiridos e reconhecidos por todos).
"Que existe uma prática, instituída e sistemática, de seleção de alunos no ensino privado todos sabemos. Faz parte da própria natureza do ensino privado."
Faz - mas não devia fazer. O ensino privado deveria servir para ser melhor do que o público e não para "comprar" notas.
Não tarda e quem quer escolher uma escola para os filhos vai ser confrontado com as excelências que se podem encontrar num qualquer bairro de barracas.
Deem-lhes tempo...
Bairro de barracas?
Como as do tempo do Dr Oliveira Salazar?
Mas os filhos já não são um problema para o referido senhor. E as crianças deviam já ser educadas sem os constrangimentos de outros tempos.
Todos iguais, todos diferentes. Para e numa escola inclusiva.
Para os senhores que dizem que existe escolhas e preferências nas escolas públicas aconselho a ler e meditar o que está escrito na LBSE, Lei Nº 46/86, entretanto já alterados alguns artigos. Na parte que fala em matrículas está lá a forma e procedimentos a serem seguidos pelas escolas. Se sabem de algo que seja contra a lei aconselho a fazer uma queixa no respectivo Ministério. O que se diz aqui (mal) da escola pública fica sem efeito por falta de matéria.
Ó Serra, mande-os À merda.
Esses que se vêm aqui queixar de que há escolas públicas a seleccionar estudantes e que gostavam era de ver essa questão discutida são os mesmos que defendem os rankinhs cegos publicados nos jornais.
Se estão tão preocupados com outras merdas, porque é que não pedem aos jornalistas que investiguem outras cenas em vez de lhes fazer os fretes para deixar de lhes vincar os preconceitos deixando de publicando rankings cegos.
É que não é de certeza a esquerda que publica os rankings, os normaliza no discurso público e deixa de investigar outras questões nos jornais.
À brigada troglodita já não basta ter tomado os jornais e sequestrado o pluralismo, agora também querem que sejam os que lá não estão nem escrevem a definir outros critérios editoriais. Se fossem bardamerda.
quando estudei os rankinns tinham a 1ª escola privada na 16ª e a seguir só uma na 34ª.
Até ao 50 eram muito poucas. No liceu de Oeiras as pautas de exames (era aluno de 12 e nunca tive que fazer uma oral-dispensei) os chumbos eram 80º dos colegios privados de Cascais e Estoril onde muitos amigos meus tinham médias de 16. Isso é que devia envergonhar os "democratas" do lero lero.
Quando o Cristovao nasceu não havia liceus nem rankings. Isso foi tudo muito depois de 1819.
Do jose não falo que, como outros, não passa de um vírus de computador.
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