sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O que é um voto útil?


A poucas horas de ir votar, muitos portugueses ainda estão indecisos. E não admira, porque o país está numa encruzilhada decisiva para o seu futuro e, ao mesmo tempo, há uma enorme insatisfação com as propostas políticas disponíveis, o que, aliás, se manifesta há muito tempo através da abstenção e do voto em branco. Sendo isto sinal de um mal-estar latente na democracia portuguesa, os partidos deveriam sentir-se motivados a realizar uma revisão dos seus projectos políticos no sentido de dar resposta à frustração que cada vez mais se faz sentir. Mas não creio que algo fundamental venha a mudar depois do próximo domingo.

E assim, em vez de responder aos anseios de um povo profundamente marcado pelo que viveu desde 2010, o maior partido da oposição (há quem diga que é de esquerda) entendeu prosseguir na via centrista cujos resultados conhecemos em toda a Europa: mudou de líder e prometeu ao eleitorado que cumpriria as regras da UE com o menor sofrimento possível para os portugueses. Com alguma boa vontade criativa de Bruxelas, quem sabe até poderia aumentar o investimento público para voltar a criar emprego que se veja. No fim de contas, o PS optou por meter a cabeça debaixo da areia e fazer de conta que pode cumprir o Tratado Orçamental, pagar os juros da dívida pública mais os encargos com as PPP que estão à porta, dar sustentabilidade à dívida pública e externa, executar a “reforma estrutural” da segurança social que Bruxelas exige e, ao mesmo tempo, acabar com a austeridade nefasta e impulsionar o emprego. Muito significativo, promete fazer tudo isto com recurso ao aconselhamento de economistas neoliberais, deixando mesmo passar a ideia de que alguns virão a integrar o futuro governo, presume-se que para lhe conferir maior credibilidade junto de Bruxelas e da finança. Um dos banqueiros mais mediáticos já veio dizer que também se sente à vontade com um governo do PS.

Uma coisa sabemos: o PS foi claro quanto à sua vontade de respeitar os tratados, sem deixar de apoiar as propostas de mudança na UE que nos sejam favoráveis. Entretanto, se alguém no PS tinha expectativas sobre uma evolução progressista da UE, após a experiência grega já sabe com o que pode contar. Os portugueses também. Por isso, não admira que haja tanta gente indecisa quanto ao sentido do voto. Uns porque, tendo votado nos partidos da coligação em 2011, se sentem traídos e, assimilada a ideia de que a crise foi causada pelo “despesismo que nos levou à bancarrota”, também não querem de volta os amigos de Sócrates. Outros porque, desejando correr com esta gente mentirosa, sentem que todos somos poucos para vencer a propaganda dos media e o seu discurso de que o pior já passou. Estes estão indecisos entre o voto num partido à esquerda e o voto no “mal menor”, o PS.

E o que é melhor para o país? Se aceitarmos que a estagnação em que caímos desde o início deste século, a que se juntaram as políticas regressivas da troika que nos fizeram mergulhar no desastre, se deve a factores de debilidade estrutural históricos e à nossa integração na zona euro, então só os partidos que dizem isto mesmo ao povo merecem o nosso voto. Nenhum doente vai buscar a energia que ainda lhe resta para vencer a doença se lhe é ocultada a gravidade da sua situação. O voto útil é o voto num discurso de verdade tendo em vista a mobilização do país para a superação das suas dificuldades, não é um voto nos que agravaram os problemas nem é um voto nos que se propõem suavizar os problemas com paninhos quentes. Ainda assim, introduzindo algum pragmatismo na reflexão, arriscaria dizer que o voto útil pode ser um voto no PS quando, num círculo eleitoral, a disputa se faz apenas entre este e a coligação. Nos restantes círculos, o voto útil é o voto naqueles que têm a coragem de dizer, com todas as palavras, o que o país precisa de ouvir: dentro desta UE, Portugal não tem futuro.

Na verdade, um governo minoritário do PS só é melhor do que um governo minoritário da coligação de direita porque permite acelerar o processo de tomada de consciência de que a saída da crise não está no rotativismo entre aqueles que nos trouxeram até aqui. Se o PS não desperta o entusiasmo do eleitorado, em vez de dizer que o voto na esquerda é inútil, que procure dentro de si as causas do seu fracasso. Que tal seguir o exemplo do Labour, no Reino Unido?

(O meu artigo no jornal i)

5 comentários:

Jaime Santos disse...

Pelo menos este seu artigo tem a coragem de assumir que onde os seus votos não elegem deputados, a CDU e o BE deveriam apelar ao voto no PS. Pena e que isto não faca parte do discurso oficial destes partidos, onde todo e qualquer voto dito útil e anátema. Devo dizer que não me repugna de todo que o BE e o PCP ataquem o PS (embora estranhe que façam dele o bombo da festa). Afinal, disputam o mesmo eleitorado (os eleitores de Centro-Direita não votam BE ou CDU) e as divergências entre estes dois partidos e o PS são reais. Mais, admito que tem razão quanto a entrada no Euro. Mas lamento dizer que apesar de tudo voto no PS. E que aquilo que falta ao discurso da CDU e do BE e uma boa dose de realismo que leve em conta o facto de que existe uma coisa chamada 'capitalist encirclement' que impede os Estados que pertencem a Moeda Única de poderem abandona-la sem serias consequências para a sua Economia. Mais, se alguém como Catarina Martins responde que a melhor maneira de pagar a nacionalização das empresas que advoga o BE e usar os seus dividendos (durante 20 anos, imagina-se) ou adotar a estratégia da Fosun (Mariana Mortágua deve ter levado as mãos a cabeça quando ouviu isto), claramente essa pessoa não pode estar a falar a serio. A não ser que, claro, o que secretamente se advogue e a expropriação e não a nacionalização. E para isso, lamento, não contem comigo. Expliquem la bem como pretendem abandonar o Euro, proteger as poupanças da classe media (que, como eu, não pertencem a categoria dos 'abastados' e nem sequer dispõem da proteção de um emprego no sector publico) e desenvolver a Economia, tudo isto sem Pensamento Magico (a Direita pode dar-se a esse luxo porque tem as rédeas do Poder Económico, a Esquerda não). No fundo, tudo aquilo que Sotiris admitiu que faltou ao Unidade Popular. Se o fizerem, um dia terão o meu voto. Antes não...

Anónimo disse...

Nas últimas eleições legislativas, em 2011, a esquerda (CDU e BE) obteve uma percentagem de 13% dos votos, mas o PS não passou de cerca de 28%, apesar do "voto útil" de muitos simpatizantes da esquerda. As últimas sondagens divulgadas - com simulação de voto em urna e amostras significativamente superiores às das sondagens precedentes - sugerem que a esquerda (CDU e BE) poderá obter cerca de 17%, com o PS a não ultrapassar os 34%.

Perdida a maioria absoluta no Parlamento, a direita (PSD e CDS-PP) só poderá governar se os deputados eleitos pelas outras forças políticas deixarem. Quem já decidiu votar na CDU ou no BE (é o meu caso), sabe que pode contar com os deputados eleitos com esses votos "inúteis", mas não necessariamente com os deputados eleitos com a ajuda do "voto útil" no PS. Lembro, a propósito, que o PS votou no Parlamento a favor do Tratado Orçamental - o tratado da austeridade perpétua - em Abril de 2012, de braço dado com o PSD e o CDS-PP. Tal como os partidos da direita portuguesa, o PS não explicou ainda como pretende respeitar o Tratado Orçamental - de cuja aprovação é co-responsável - e, ao mesmo tempo, "proteger as poupanças da classe media (que, como eu, não pertencem a categoria dos 'abastados' e nem sequer dispõem da proteção de um emprego no sector publico) e desenvolver a Economia, tudo isto sem Pensamento Magico" .

Anónimo disse...

Caro Jorge Bateira, para o voto de verdade e de coragem que menciona no seu artigo, estes três apontamentos de João Oliveira:

Remover obstáculos ao desenvolvimento do país (I): a libertação do euro

Remover obstáculos ao desenvolvimento do país (I): o controlo público da banca

Remover obstáculos ao desenvolvimento do país (I): a renegociação da dívida

Anónimo disse...

Corrijo, no comentário imediatamente anterior, a numeração: I (sobre a libertação do euro), II (sobre o controlo público da banca) e III (sobre a renegociação da dívida).

Anónimo disse...

O Livre/Tempo de viver com medo terminou. É a melhor notícia das eleições. Esquerdas medrosas ficam bem no caixote do lixo.