sexta-feira, 8 de agosto de 2014

José Reis: «Um mundo financeiro que actua sem rei nem roque»



«De facto, não é nesta reparação que agora foi feita, dos problemas causados no BES, que está, porventura, o problema essencial. Todos os que temos uma grande perplexidade, pelo que está a acontecer, temos porventura que dar um passo atrás e perceber em que mundo vivemos. E na verdade nós vivemos num mundo em que as economias dos países, a vida das pessoas, as suas expectativas, o seu futuro, estão profundamente determinadas, porventura profundamente manipuladas, por lógicas financeiras poderosíssimas. Por lógicas financeiras que desequilibram estruturalmente o mundo em que vivemos. Não é um caso português, é um caso do mundo, evidentemente.
(…) Claro que perante problemas desta natureza, evidentemente que o regulador é, muitas vezes (como está a acontecer agora) alguém que esbraceja muito mas que na verdade faz, parece-me a mim, uma pobre e triste figura. Relembremos a posição do governador (e evidentemente não é o Dr. Carlos Costa que está aqui em causa, o que está aqui em causa é o Banco de Portugal, a regulação bancária e a lógica em que vivemos). Em Abril de 2011, o governador Carlos Costa dizia aos bancos portugueses, aconselhava-os (ou melhor, ordenava-lhes), que deixassem de financiar a dívida pública portuguesa. Porque eles eram a “parte sã”, enquanto a República era “o problema”. (…) Ou seja, o governador estava convencido que a banca portuguesa, o sistema bancário português (…), e dizia isso aos seus interlocutores banqueiros, eram a parte sã. Ora bem, hoje foi “o problema” quer dizer a República, a dívida pública, que teve que ir intervir, do modo que sabemos.
(…) Eu há muito tempo que clamo que a gestão pública, e a qualidade da gestão pública, pede meças à gestão privada. E pede meças em muitas circunstâncias e não é preciso chegarmos a este ponto, em que verdadeiramente estamos a falar de libertinagem. Eu acho que é este o termo que deve ser adequado para nos descrever aquilo que o governador do Banco de Portugal nos descrevia ontem. Eu acho que todos os que ouvimos ontem, em directo, apesar daquela solenidade, daquela bela tapeçaria que estava por detrás, daquele ar solene dos membros do Conselho de Administração (que são obviamente pessoas respeitáveis), o que ouvimos ontem – dito pelo governador – é verdadeiramente confrangedor. O que ele nos esteve a dizer foi que não foi capaz de ver o tamanho da montanha porque, em pouco tempo (de Junho para Julho), aquele Conselho de Administração que ele tinha mantido em funções, lhe tinha desobedecido, o tinha enganado, e porventura o tinha traído. E isso por quê? Porque há um conjunto de coisas que verdadeiramente saem do perímetro da regulação que o Banco de Portugal é capaz de fazer.
(…) O que está aqui em causa é que o mundo em que isto ocorre (…), um mundo financeiro que actua sem rei nem roque, porque é disso que se trata (nós ouvimos ontem, candidamente, o governador explicar-nos que havia uma série de coisas que lhe escapavam ao controle), (…) é um mundo estruturalmente desequilibrado, em que a regulação – houve muita gente que acreditou na regulação – [falhou].
(…) Ao que é que nós assistimos ontem? Assistimos a uma operação, para tapar um buraco, com uma tecnologia fácil. Isto é, se a si, ou a mim, dessem quase cinco mil milhões de euros, públicos, a bom preço, nós eramos capazes, evidentemente, de fazer uma boa parede, como o Banco de Portugal fez com esta solução. E eu desejo, muito sinceramente, que esta solução funcione (…), mas temo, justamente porque nós não sabemos muitas coisas. Como digo, usar dinheiro público deste modo é fácil, mas não sabemos contudo o que vem por aí. Até por uma razão muito simples: toda esta cultura, que é uma cultura profundamente danosa, devo dizê-lo, da financeirização, ocorre sobre uma grande iliteracia. Eu recordo-me que ainda há pouco tempo, há pouco dias quase, gestores de conta do BES me aconselhavam a comprar obrigações do BES.
(…) Eu acho muito bem que se possa gerar um clima de confiança, mas eu acho que é muito importante gerar um clima de prudência. De prudência para as pessoas e para as suas decisões. (…) [E há] uma absoluta urgência de uma revisão radical do modo como as economias, como o mundo financeiro está organizado.»

Da entrevista de José Reis à RTP2, no passado dia 4 de Agosto (a ver na íntegra)

6 comentários:

Luís Lavoura disse...

Coitado de José Reis, era clliente do BES ainda há bem pouco tempo... e tinha gestores de conta a tentar enganá-lo...

Eu sugeriria ao José Reis que mudasse de banco... Sei lá, para o Crédito Agrícola...

Nuno Serra disse...

Talvez seja melhor pensar-se na Caixa (CGD), Luís Lavoura. Com o que vamos conhecendo da banca privada, um banco público é capaz de ser bastante melhor ideia [http://www.publico.pt/economia/noticia/crise-no-bes-leva-clientes-a-depositar-200-milhoes-na-cgd-num-unico-dia-1665665]

José M. Sousa disse...

Aborrece-me um pouco este "não está em causa a pessoa do Governador"; "os administradores do BP. concerteza pessoas respeitáveis", etc. Claro que também está em causa a pessoa do governador do Banco de Portugal.Não basta parecer sério!

meirelesportuense disse...

Vou dizer uma coisa que é, tenho a certeza, do conhecimento de todos os que por aqui andamos há uns anitos...Algo que ninguém responsável criticou em devido momento e, ela revela bem o clima que se vive ou viveu na Banca Portuguesa: -Em determinado momento da minha vida, aí por volta do final dos anos 90, assisti à venda generalizada de títulos de Empresas importantes cotadas ou a cotar em Bolsa, a progenitores em nome dos seus filhos, muitas crianças, algumas ainda récem-nascidas e de chupeta.
Isto é, em momentos não muito distantes, foram vendidos títulos de Bolsa em nome de crianças que nem sabiam sequer em que Mundo estavam!...E esses títulos eram vendidos com apensos de incentívos Fiscais brutais.
Quem os vendia e quem os comprava, em nome de crianças completamente indefesas, faziam-no de forma categórica, sem nenhuns complexos de qualquer espécie, única e simplesmente com a mira da obtenção do lucro fácil...
Se isto foi possível assim, imaginem agora o que não terá sido feito em toda a enorme gama de operações Bancárias disponíveis...Havia Universitários que não faziam outra coisa...Se calhar, lá no meio desta barafunda, andava o Moedas e muitos dos actuais membros do Governo e na época enormes "Empreendedores"...Lembram-se dos Unipessoais?

Luís Lavoura disse...

CGD, Nuno Serra???!!! Aquela instituição que, soube-se hoje, emprestou 300 milhões ao GES? E que emprestava a um Fino qualquer para ele especular em ações da CIMPOR?

Eu, Nuno Serra, encerrei a minha conta na CGD há 3 meses, farto de ver as porcarias que aquele banco faz com o dinheiro dos seus depositantes.

Se quer seriedade bancária, Nuno Serra, não é certamente na CGD que a irá encontrar.

meirelesportuense disse...

Sim é verdade, a CGD também tem tido comportamentos execráveis, mas tem uma vantagem que os outros Bancos não têm, é do Estado -por enquanto, que a fome por ela é grande-, e sendo do Estado, se a Administração for bem escolhida, as coisas mudam de um momento para o outro...Tudo depende de quem está no Poder.
Hoje fazem as mesmas coisas da mesma forma que fazem os outros, o pensamento é único, só temos que mudar as moscas, embora saibamos que a merda em muitos casos é a mesma...