segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Choques
Quem tenha lido a Doutrina do Choque de Naomi Klein, um bom livro de divulgação sobre o neoliberalismo, tem instrumentos que podem permitir compreender a lógica do momento de “refundação”, bizarra expressão, proposta por Passos Coelho. Não se trata obviamente de mudar o programa da troika, muito pelo contrario, já que se trata antes de usar o desastre, neste caso fabricado pela própria austeridade e pelas reformas regressivas já adoptadas, graças à troika, como nova oportunidade para procurar ir até às últimas consequências, ao âmago das funções do Estado social, onde ainda há para pilhar. O colete-de-forças monetário que é o euro ou a sua expressão institucional periférica que é a troika garantem os choques que forem necessários para alcançar tal objectivo. O desemprego de massas é um meio decisivo, já que não há nada de decente que sobreviva neste contexto, só o capitalismo de desastre.
Já antes de Passos, as cínicas declarações de Vítor Gaspar confirmaram pela enésima vez o objectivo principal, mobilizando a relutância fiscal das classes de maiores rendimentos e usando esta chocante estrutura para determinar as escolhas sociais. Gaspar é o mais perigoso membro do governo. Combina a identificação com os interesses colectivos do capital financeiro nacional e internacional, imbricados pelo euro, com uma obstinação ideológica impar, resultado da síntese do consenso neoliberal que se foi tornando hegemónico a partir dos anos oitenta entre Washington, Bruxelas ou Frankfurt e que foi inscrito no euro. O negocismo de Relvas ou as palas ideológicas de Álvaro não se comparam à síntese de Gaspar. Junte-se um perfil muito peculiar, descrito por Filipe Nunes, e temos um Gaspar em luta contra as realidades da maioria dos que aqui vivem, contra um mundo que insiste em mostrar a enorme diferença que pode existir entre resultados intelectuais e vitórias políticas.
O défice é uma variável endógena? Os multiplicadores orçamentais, no contexto português, a estarem fora do novo intervalo do FMI estão acima e nunca abaixo dado o contexto? As privatizações apenas reforçam o perfil de especialização dos grupos económicos nos não-transaccionáveis, na captura de rendas, como se verá com a ANA? O regresso aos ‘mercados’ é uma fraude monstruosa, parte da captura pelos bancos a que se chama bancarrotocracia e que Pedro Lains tem captado em algumas das suas dimensões? O euro a que dedicou uma vida é um fracasso colossal para um país cuja taxa de desemprego é o dobro do máximo histórico antes da moeda única? A evolução desemprego não cessa de “surpreender” Gaspar?
Pouco importam as respostas. É típico da ideologia de Gaspar furtar-se publicamente ao confronto com a realidade, mas ao mesmo tempo tenho a certeza que Gaspar conhece bem os mecanismos, a economia política do programa que está a aplicar. A violência desmedida deste é proporcional à natureza das transformações ambicionadas. As coisas aqui são mesmo como são, mas convém que não se faça demasiado alarde disso. Por isso, é um dos intelectuais principais da versão portuguesa do capitalismo de desastre. Com esta gente no poder a democracia está sempre em risco. Sempre. Não é por acaso que um dos que pediu a troika e que não se arrepende, Fernando Ulrich, fala, reparem na inversão, em risco de ditadura do Tribunal Constitucional. Gente perigosa, mesmo muito perigosa, tem muito poder nesta economia política.
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3 comentários:
"Fernando Ulrich" ...
este artista,
também julga ser mais esperto que os outros e, vem sempre com aquele ar de grande executivo...botar faladura!
Pois ...pois...
então aquela de eleições de dois em dois anos,
- até parece que está preocupado com a Democracia -
era para ouvir a voz do Povo...certo?!...
ou seria para proporcionar
um escape, á falta de vergonha dos deputados eleitos,
que não respeitam os compromissos assumidos na sua eleição?
Para lá dos números, o que está
de facto em causa, é a Democracia.
A legitimidade do Deputado, não vem do lugar...
mas da sua CREDIBILIDADE !!!
Aleixo
A Quadrilha Selvagem que actualmente governa este país, infelizmente tem muitos apoiantes e o F.Ulrich, e outros malicantes da mesma laia, é um deles.
"Com esta gente no poder a democracia está sempre em risco. Sempre."
Lapidar esta sua constatação.
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