quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Uma «indústria» para alimentar


De acordo com o Jornal de Notícias, 2024 não foi só o ano «mais rentável da história para as imobiliárias que atuam em Portugal», como o recorde foi alcançado graças às «vendas a estrangeiros». Citando dados da APEMI, foram transacionados cerca de 150 mil imóveis entre janeiro e dezembro, com receitas a rondar os 30 mil M€ (subida de 20% face a 2023). No caso da Quintela + Penalva | Knight Frank, uma das imobiliárias dedicadas ao segmento de luxo consultada pelo JN, a fatia de clientes internacionais «representou 60% da faturação».

Com o valor médio de vendas a oscilar entre 165 mil€ e 1.200 mil€, constata-se uma diferença clara entre a oferta de luxo e a oferta transversal. O valor mais elevado nas imobiliárias auscultadas pelo JN que não se dedicam ao segmento premium ronda os 207 mil€, sendo de 800 mil€ o mais baixo entre as imobiliárias de luxo. O efeito de arrastamento que estas diferenças estabelecem não é, evidentemente, negligenciável. De outro modo, e entre outros fatores, seria difícil compreender que o desfasamento entre rendimentos e preços não resultasse numa descida de valores.

Temos pois, uma vez mais, o imobiliário na sua bolha, indiferente à dificuldade das famílias em aceder a uma habitação compatível com os seus rendimentos, com as empresas do setor confiantes de que «o mercado imobiliário de luxo continue a valorizar-se em 2025, impulsionado pela procura», como referiu um dos CEO ouvidos pelo JN, estimando a vice-presidente da APEMI que 2025 será «um ano [ainda] melhor do que 2024».

Ou seja, não só não faltará procura com alto poder aquisitivo, como os preços (e lucros) se manterão elevados, a bem do setor. E, no horizonte, com as alterações à «lei dos solos» a abrir portas à conversão de rústicos em urbanos, a alimentação deste pipeline está ainda mais assegurada em termos de oferta. Percebem porque é insistem em dizer, a todo o momento, que o problema se resume a uma simples «falta de casas»?

Adenda: Absolutamente insuspeito, pois foi um dos grandes defensores das alterações ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), Isaltino Morais veio recentemente assinalar o óbvio: «a desafetação, a alteração de terreno rústico em urbano, não vai resolver o problema do preço da habitação. Tirem o cavalinho da chuva, não vai. Se não se fizer alguma coisa, mais dois, três, quatro, cinco anos, a Área Metropolitana de Lisboa fica inundada de barracas outra vez. As famílias pobres, a classe média empobrecida, não encontra no mercado casas a preços compatíveis».

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