quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Mais que uma crise de habitação

Um dos gráficos essenciais do recente estudo da Causa PúblicaPortugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa»), coordenado por Guilherme Rodrigues, é o que estabelece relação, desde 1995, entre o rendimento médio disponível das famílias e o preço médio da habitação. Desde logo por evidenciar que a deterioração da capacidade de acesso a um alojamento para viver tem início em 2013, invertendo a tendência favorável registada até então.


Este indicador deveria ser suficiente para fazer refletir todos quantos incorrem no simplismo dominante de interpretar a atual crise como resultando de uma mera falta de casas. Por um lado, pelo facto de não se terem registado alterações em termos demográficos (procura) e do parque habitacional (oferta) que justifiquem o aumento vertiginoso dos preços. Por outro, porque a própria lógica de funcionamento do mercado, quando encarada com um desprezo olímpico pelas novas procuras de habitação, não colhe: se os rendimentos estagnam, não deveria o preço das casas diminuir?

Aludindo à relevância decisiva das novas procuras, sem as quais não é sequer possível interpretar, de forma adequada, a génese da atual crise habitacional (e, portanto, adotar as respostas que contribuem para a superar), o estudo da Causa Pública assinala ainda uma dimensão essencial que tem sido negligenciada. Isto é, o facto de não estarmos apenas perante uma crise circunscrita à incapacidade de assegurar o acesso generalizado a um alojamento, mas antes perante uma crise que transborda para lá dessa questão, já de si fundamental.

De facto, a crise de habitação que estamos a viver atravessa a própria economia, não só pela relevância que as atividades ligadas ao setor imobiliário e ao turismo adquiriram, mas também pelas dificuldades criadas na capacidade para atrair e fixar trabalhadores do setor público e privado, sobretudo nas áreas onde a subida de preços - e o desfasamento face aos salários - é mais pronunciada. Por outras palavras, já não é só a questão da habitação que está em causa, mas sim, também, o próprio modelo de desenvolvimento económico e social do país.

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