terça-feira, 26 de novembro de 2024

Combates pela história


[P]rocurarei responder à controversa questão dos dias de hoje sobre a natureza, as origens e os perigos da nova extrema‐direita europeia emergente, recorrendo ao método de historiar o fenómeno contextualizadamente e resumidamente, partindo da interpretação dos factos e das fontes que eles carregam.

Isso significa, do ponto de vista da metodologia, o contrário do que alguma literatura sobre o assunto tem feito, ao cindir previamente, de acordo com a subjetividade criativa de cada autor, a realidade complexa do campo da extrema‐direita em taxonomias classificativas substancialmente arbitrárias e que rompem a unidade essencial do objeto e das suas variantes, tornando‐o historicamente ilegível e fracionado. Fazem‐no, frequentemente, com o propósito ideológico de repescar para a boa causa a fatia da direita radical que consideram «útil» ou «respeitável» — de alguma forma, repetindo para o estudo da nova extrema-direita o que certa politologia se tem entretido a fazer com a análise do fascismo canónico: retalhá‐lo e anulá‐lo como época e como fenómeno global entre as duas guerras mundiais quase até ao seu «cancelamento» como realidade histórica, ou à sua redução ao caso isolado da Itália mussoliniana, onde nasceram o nome e a «coisa».

Fernando Rosas, Direitas velhas, direitas novas, Lisboa, Tinta da China, 2024, p. 12.

Ontem, foi um dia muito triste, dado o espetáculo deplorável de desmemória histórica promovido pelas direitas velhas e pelas que parecem novas, cada vez mais extremadas, com a participação de certa esquerda, cada vez mais desorientada. Felizmente, houve quem tivesse resistido, quem tivesse dito não. Haja esperança.

Ontem, ao fim da tarde, passei pela Almedina do Estádio e deparei-me, no escaparate globalmente deprimente do ensaísmo, com uma exceção, o mais recente livro de Fernando Rosas, um historiador que leio desde os anos 1990, um intelectual público marxista sempre combativo, com uma escrita de exemplar clareza. Li de pé a introdução e continuei a ler em casa, bem sentado. Tudo começa pela metodologia, realmente.

Ao contrário da inventona do marxismo cultural, a verdade é que são raros os intelectuais de cultura marxista em Portugal. Esta falta sente-se por todo o lado, sobretudo quando a realidade insiste em ter um viés tão brutalmente marxista. Afinal, o capitalismo sem freios e contrapesos está sempre prenhe do fascismo.

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