Por outro lado, se olharmos para o IRC liquidado por setor, quase dois terços da receita são provenientes de cinco setores: o setor financeiro, o imobiliário, a construção, o alojamento e restauração e o comércio.
Estes dados dizem-nos essencialmente duas coisas:
1. Uma redução do IRC beneficia de forma manifestamente desproporcional as grandes empresas
2. Em termos setoriais, a maior parte dos ganhos concentra-se em setores com pouco potencial para a transformação estrutural da economia
No sistema financeiro, o pequeno conjunto de bancos que detêm a maioria da quota de mercado tem acumulado lucros extraordinários desde que as taxas de juro começaram a subir em 2022. Os grandes supermercados também obtiveram lucros extraordinários durante o surto inflacionista, além de terem sido recentemente condenados por fixação de preços entre si. É difícil argumentar que se tratam de empresas que precisam de incentivos.
Há ainda os setores associados à bolha imobiliária (construção/imobiliário) e ao turismo (alojamento/restauração). O peso do turismo na estrutura produtiva do país tem crescido de forma significativa nos últimos anos e o setor tem registado receitas recorde. Só que a especialização no turismo tem efeitos perversos para a economia portuguesa: além de assentar em baixos salários e trabalho precário, é um setor de baixo valor acrescentado, pouca incorporação de conhecimento e tecnologia e baixo potencial produtivo. Ou seja: a maior parte da descida do IRC iria para empresas e setores que não só não necessitam de incentivos, como têm muito pouco potencial para promover a transformação da economia portuguesa e o desenvolvimento tecnológico.
Os defensores da medida costumam argumentar que a redução do IRC permite atrair investimento estrangeiro. A ideia não é nova e tem contribuído para a corrida para o fundo na tributação das empresas um pouco por todo o mundo e, em especial, nos países europeus, sem que isso tenha impedido a estagnação do investimento no continente.
Associada a esta ideia vem a de que Portugal tem "a taxa estatutária mais alta da UE". O problema é que é muito difícil (para não dizer impossível) encontrar uma empresa que a pague. A taxa média q as empresas pagam efetivamente, depois de benefícios e deduções, é muito inferior.
As taxas de imposto que as empresas pagam efetivamente não só são bastante mais baixas do que a taxa máxima, como têm vindo a diminuir em praticamente todos os setores da economia nos últimos dez anos.
Mais: podemos dizer que uma redução do IRC promoveria o crescimento da economia? Um artigo publicado na European Economic Review, onde é feita uma revisão de dezenas de estudos empíricos, mostra que os resultados são... inconclusivos. Ou seja, os estudos existentes não nos permitem afirmar que baixar impostos às empresas estimularia necessariamente o crescimento. De resto, nas últimas três décadas, a taxa de IRC já baixou de forma significativa. A taxa de IRC era muito superior num dos últimos ciclos de crescimento robusto da economia portuguesa (décadas de 1980 e início da de 1990) e a diminuição coincide com a estagnação do país. É um erro olhar para a descida de impostos como a resposta para os problemas de fundo da economia portuguesa.
Mesmo os estudos mais otimistas, que assumem que as empresas aproveitariam a descida do IRC para reinvestir e aumentar salários (e não para aumentar a distribuição de dividendos), reconhecem que a medida gera uma perda significativa de receita do Estado. São centenas de milhões de euros que poderiam ser usados para promover o investimento público - sendo que os estudos empíricos sugerem que o impacto positivo do investimento costuma ser superior ao de cortes de impostos.
Há poucos motivos para crer que a redução do IRC é a bala de prata para promover o crescimento da economia portuguesa. Na verdade, no que diz respeito às estratégias para promover o desenvolvimento económico, o debate público em Portugal está desfasado do que está a ser tido no resto da Europa. O que sabemos é que as principais beneficiadas desta medida serão as grandes empresas que têm acumulado lucros generosos nos últimos anos. Tendo em conta o programa que os partidos do governo levaram a eleições no início do ano, não se pode dizer que seja surpreendente.
Os números não enganam. Claros como água da nascente, ainda não poluída....
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