Desculpai a repetição, mas com a entrega de centros de saúde a capitalistas da doença, confirma-se, uma vez mais, que este é o Governo da CUF, para a CUF, pela CUF. E tem um plano em 7 passos, revelado por Vítor S. (sim, o neoliberalismo não passa sem plano; “plano para a liberdade”, chamou-lhe Hayek, em 1944):
“1. Criam a imagem de caos no SNS; 2. Apregoam na campanha que a salvação está no privado; 3. Ganham eleições; 4. Esvaziam o SNS com saneamentos políticos; 5. Provocam um verão caótico nas urgências; 6. Vende-se o SNS aos privados; 7. Saem do governo para grupos privados.”
Um outro grande teórico do neoliberalismo, Pedro Passos Coelho, defendeu que o plano neoliberal passa por uma forma de Estado particular: o Estado-Garantia, ou seja, a garantia estatal da colononização da saúde pelo capitalismo da doença.
Este capitalismo é viral e espalha-se por todos os sistemas de provisão socializados. Retomo uma reflexão de 2016 sobre batalhas educativas, publicada no Le Monde diplomatique - edição portuguesa, até porque este Governo tem igualmente, e em coerência, um plano para a deseducação:
Este vírus espalha-se na educação sempre que subsidiamos, seja através de contratos, seja através de benefícios fiscais, as moralmente distorcidas preferências elitistas das famílias em matéria de educação privada. Estas têm externalidades negativas para o conjunto da comunidade, por exemplo através da criação de barreiras de classe cada vez mais intransponíveis.
Mas este vírus espalha-se também sempre que descuramos as relações sociais subjacentes à provisão. Isto acontece quando os trabalhadores da educação e os seus sindicatos são tratados como alvos abater, fazendo-se convergir as relações laborais na esfera pública com a maior desigualdade e precariedade que campeia na privada. Isto também acontece quando a lógica cooperativa dos mecanismos democráticos de gestão colegial das escolas é substituída pela lógica do comando empresarial, na figura de um director todo-poderoso, associada à perversa promoção da concorrência entre escolas.
Esta última tendência é igualmente favorecida pelo perigo da crescente municipalização do ensino público no nosso país. A escola, mesmo que formalmente pública, tenderá assim a ficar refém de directores pouco escrutinados e da lógica clientelar de muitos municípios. Em conjunto poderão ter no futuro poder para contratar e despedir pessoal docente e não-docente cada vez mais precário.
O vírus liberal emerge também na selecção e exclusão dos alunos pelas escolas públicas, imitando as práticas das escolas privadas, de acordo com o capital económico e cultural das famílias, determinante no sucesso escolar, ou com as necessidades dos alunos. O reforço da uniformização das escolas – escolas para ricos e escolas para pobres –, num país desigual e com taxas recorde de pobreza infantil, tem de ser travado através de batalhas em múltiplas frentes.
A potência do vírus liberal está na sua capacidade mutante, na forma como se adapta aos vários sistemas de provisão sem perder a sua natureza. As parcerias público-privadas na saúde ou o cheque-dentista são outros tantos exemplos, desta vez no sistema de provisão de saúde, deste vírus, aí ainda mais potente pelos lucros poderem ser ainda maiores.
As esquerdas que queiram ganhar os debates em torno dos sistemas de provisão de saúde, de educação e de outros não podem perder de vista o projecto global subjacente ao neoliberalismo, recusando a ilusão da liberdade de escolha que alimenta todas as desigualdades. Isto exige argumentos à altura do inimigo. Todas as batalhas têm de ser mesmo educativas.
Confundir essa CUF nacionalizada que está no cartaz, a melhor e maior experiência de industrialização em Portugal, com a dos hospitais (com origens nos estabelecimentos médicos da Caixa de Previdência da primeira CUF) é que não dá. Desculpem-me lá, mas assim não.
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