Depois, as relações de forças vão mudar substancialmente neste mandato, deslocando a maioria do centrão (SD do PS, liberais Renew, e PPE do PSD e CDS) para a direita mais extremada (PPE e ECR de Meloni).
Por último, a agenda política está a mudar por arrasto: desvalorização do combate às alterações climáticas e da preservação dos serviços públicos, políticas migratórias mais severas (com vários países a discutir até planos de deportação em massa), e crescente militarização.
Um exemplo do final deste mandato que resume estes três pontos é a aprovação da reforma das regras de governação económica. A sua simplificação para a monotorização de uma única variável - a despesa primária líquida de juros, subsídios de desemprego e co-financiamento de fundos europeus - cria, como já escrevi aqui com o José Gusmão, um enviesamento de austeridade.
O que não tem sido tão discutido no espaço público é o fortalecimento do seu lado punitivo. Cria-se com estas regras um mecanismo de vigilância do comportamento da despesa pública dos países chamado “conta de controlo”. Aqui registam-se todos os desvios em relação à trajetória imposta pela Comissão Europeia. Na proposta original este mecanismo de controlo era relativamente inócuo, visto que não tinha nenhum valor vinculativo. Agora, por pressão do Conselho Europeu (ou melhor, da Alemanha), o intervalo de ação é bem restrito: os governos não podem afastar a sua despesa pública mais do que 0,3 pontos percentuais do PIB cada ano ou 0,6 pp no tempo total do plano nacional (i.e. 4 a 7 anos).
Caso isto aconteça, os países recebem um primeiro aviso da Comissão Europeia para corrigirem as suas opções orçamentais. Este é o primeiro passo do conhecido Procedimento de Défices Excessivos (PDE). O último passo, que até agora nunca foi utilizado, mas que serviu sempre para ameaçar os países a seguir reformas neoliberais, é a aplicação de sanções pecuniárias. O gasto público passa a ser castigado. É preciso deixar isto claro.
Mas ainda há outro aspeto crucial nesta reforma e que parece estar a passar pelos pingos da chuva. Antes de um PDE ser aberto, há um momento de avaliação pela Comissão e o Conselho para perceber se as condições específicas do país justificam (e perdoam) a sua situação de incumprimento. Para isso servem os chamados “fatores pertinentes”, ou seja, fatores que, em última instância, podem levar a que não se abra o PDE (e que não sejam aplicadas sanções).
Dois novos são introduzidos. Primeiro, os progressos nas reformas e investimentos previstos nos planos nacionais. Esta foi a grande carta utilizada pelo PS para convencer que estas regras são promotoras do investimento público. No entanto, a sua lógica sai furada quando as regras institucionalizam o corte cego na despesa e essas reformas e investimentos são apenas as que a Comissão e o Conselho considerarem credíveis. Não existe nenhuma cláusula de proteção expressa para o investimento público.
O outro novo fator é o aumento do investimento público na defesa. Mais nenhum tipo de despesa tem esta exceção incrível. Não têm os esquemas de proteção para a pobreza, não têm os serviços públicos, não tem a habitação ou a ferrovia. Esta é uma escolha muito clara de qual é a grande prioridade a nível europeu: a militarização dos países em detrimento do Estado Social. Este é o início de uma tendência que só se agravará com a presença de forças políticas belicistas no espaço europeu.
O PS, o PSD e o CDS aprovaram e defendem estas regras. O grupo dos socialistas europeus (tirando algumas exceções) não se afastou do consenso com os liberais, direita e extrema-direita. No próximo mandato, precisamos de forças políticas de esquerda, comprometidas com a paz, a proteção dos serviços públicos e a transição energética. Não podemos abdicar de nenhum espaço político.
A discricionariedade que já existe há longos anos passou agora a estar escrita, e o resultado vai ser exatamente o mesmo. Mas concordo consigo quanto à necessidade de não se abdicar de nenhum espaço político.
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