sexta-feira, 31 de maio de 2024

Conversar e lutar sempre


A realidade da economia política da integração é ofuscada por doses maciças de propaganda, assente em truques ideológicos e na mentira mais despudorada. Afinal de contas, um Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, garantiu que “em vinte anos, o euro trouxe prosperidade e proteção aos nossos cidadãos”. Foi o mesmo que afirmou, em plena crise do euro, que quando “as coisas ficam difíceis é necessário mentir”. 

Quando as coisas ficam difíceis é preciso insistir na partilha da soberania contra os egoísmos nacionais, na defesa de uma economia social de mercado alegadamente capaz de conjugar rigor orçamental com coesão social, porque só unidos podemos influenciar a regulação da globalização. 

A economia muito política da UE, em geral, e do euro em particular,  indica-nos que partilha de soberania é uma forma de obscurecer a realidade da perda desigual de soberania entre Estados crescentemente desiguais e a sua desigual transferência para instituições supranacionais muito menos democráticas e muito mais controladas por interesses económicos egoístas e invisibilizados. É que ao contrário do que diz a propaganda, a história confirma que as expressões institucionais mais consequentes de solidariedade foram construídas à escala nacional, justamente aquelas que são atacadas de múltiplas formas pela escala supranacional da UE: da negociação coletiva ao serviço nacional de saúde, passando pela segurança social de base nacional. 

 A ideia de uma economia social de mercado, por sua vez, foi uma forma que os ordoliberais inventaram para tentar passar o capitalismo concorrencial, mas crescentemente monopolista, por um sistema com as melhores consequências sociais. Outra mentira, como se vê. 

Já a ideia da UE para pesar na globalização, esquece que esta tem sido o outro nome deste processo de integração supranacional neste continente, expondo as sociedades nacionais aos efeitos deletérios da abertura irrestrita aos fluxos económicos. Obviamente, não há capitalismo sem regras, sem regulação. As regras dominantes estão, na UE, ao serviço da transferência de recursos de baixo para cima na pirâmide social e na hierarquia vincada de Estados: classe e geopolítica, em suma. Só com um diagnóstico deste tipo é possível identificar as forças e as fragilidades deste arranjo e evitar os becos sem saída do europeísmo, mesmo que eivado das melhores intenções. 

De facto, como se viu na Grécia em 2015, a força da UE está no manejo, sem qualquer escrúpulo, de todos os instrumentos de política, incluindo a monetária, para submeter Estados fragilizados, de onde irrompam forças políticas que se dizem radicais, mas que não dispõem de um diagnóstico e de um programa adequados a transformações que vão à raiz dos problemas. 

A fraqueza da UE está em ser fator permanente de polarização e crises, ao mesmo tempo que o sentimento de dignidade nacional, ofendido pelas ingerências sucessivas de instituições sem legitimidade democrática, é alimentado. 

A questão é saber se este sentimento vai ser dirigido, por quem e com que impactos, até porque a UE, sendo uma máquina de liberalização é correlativamente uma máquina de gerar fascistas. Se assim é, a resposta antifascista dificilmente deixará de partir do Estado democrático e social de base nacional que ainda resta.

Recupero um excerto de uma recensão relativamente longa, publicada na Vêrtice em 2021, ao livro O Estado capitalista e a suas máscaras, da autoria de António Avelãs Nunes, com quem vou estar hoje a conversar na Figueira da Foz. É uma iniciativa da CDU, que começa às 21h, na Assembleia Figueirense.
 

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