terça-feira, 2 de abril de 2024

Viva a Constituição da República Portuguesa


A Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de abril de 1976, é sem dúvida o mais avançado e mais belo documento político coletivo jamais redigido na história deste país, cristalização de uma relação de forças produzida durante o inesquecível processo revolucionário. Foi descaracterizada, é verdade, sobretudo em 1989 e na sua parte económica, mas ainda conserva traços de 1976.

Neste contexto de celebração, retomo uma questão que me preocupa, parte da perda de memória e de cultura políticas à esquerda:

Para além de atribuir à palavra liberal um prestígio imerecido, os que, à esquerda, usam equivocada e apologeticamente a designação «democracia liberal» para caracterizar a democracia saída da Revolução de Abril, esquecem que o liberalismo histórico sempre foi oligárquico, intrinsecamente desconfiando da participação popular e favorável a um capitalismo desigual, que facilmente desagua em formas autoritárias, particularmente em contexto de crise e nas periferias. A nossa democracia superou originalmente o liberalismo histórico, porque se propôs suplantar uma forma de capitalismo que não dava resposta às aspirações de liberdades reais para todos, incluindo nos espaços onde se trabalha, tantas vezes furtados a avaliação do que se pode ser e fazer.

Estas origens revolucionárias do nosso regime constitucional democrático, de matriz tão antifascista quanto antiliberal, explicam que na narrativa liberal, «o socialismo» seja o nome da situação em vigor até aos dias de hoje. A contra-revolução neoliberal nunca teria existido. As intervenções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) e às suas imposições liberalizadoras totais no campo económico e financeiro, particularmente no quadro da União Europeia, as privatizações maciças desde o cavaquismo, a adesão ao euro, e a correspondente perda de instrumentos de política económica, nunca teriam existido. 

Enquanto existirem concessões colectivistas no capitalismo português, mesmo que enfraquecidas, da Segurança Social a um mínimo de provisão pública desmercadorizada, esta gente não descansa ideologicamente e daí a insistência convergente das direitas cada vez mais extremas em projectos de ainda maior descaracterização constitucional.

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