Depois da tomada de posse do novo governo PSD-CDS, o debate público tem-se centrado nas primeiras medidas anunciadas pelo executivo. O primeiro foco de atenção mediática foi a polémica redução do IRS, que, ao contrário do que foi dado a entender pela direita durante a campanha, afinal não será muito diferente do que já tinha sido aprovado pelo governo anterior, acrescentando ao que já estava em vigor uma redução para os escalões mais altos.
Nos próximos dias, é provável que outras medidas sejam destacadas. Um dos grupos a que Luís Montenegro mais se tem referido é o dos jovens. O programa do governo, discutido na semana passada, inicia-se com o título “Um país com futuro para os jovens”. A expressão “jovens” aparece mais de 70 vezes no programa, que afirma que a “economia não dá suficientes oportunidades aos jovens” e que os jovens “não veem Portugal como parte do seu futuro” e inclui propostas para que estes possam “construir em Portugal o seu projeto de vida”. Como a ambição é grande, vale a pena avaliar em detalhe o que promete o PSD para os próximos anos.
Benefícios para que jovens?
A medida mais emblemática do governo dirigida às novas gerações é a do IRS Jovem. A promessa do governo é a de que irá alargar os benefícios fiscais que já existem atualmente para quem começa a trabalhar. O governo promete baixar os impostos para os jovens através da redução das taxas de IRS aplicáveis em todos os escalões, exceto no último, para os trabalhadores até aos 35 anos.
Esta promessa é enganadora por dois motivos. Por um lado, as contas feitas por uma consultora sugerem que os jovens podem até vir a perder face ao regime atualmente em vigor para quem esteja nos primeiros 5 anos de trabalho. Por outro lado, independentemente desse aspeto ser corrigido, o problema de fundo da proposta é que beneficia muito mais quem ganha mais. Mais de metade dos jovens ganha menos de €1000 por mês e ganharia muito pouco (ou nada) com esta medida, mas os mais ricos têm muito a ganhar.
Além disso, é difícil sustentar a ideia de que a redução dos impostos vai atrair os jovens que emigraram. Sobretudo porque não é isso que tem acontecido. O Programa Regressar, criado em 2019, foi pensado para atrair quem tenha estado fora pelo menos 5 anos. O impacto deste programa foi avaliado num
estudo publicado recentemente por dois economistas que trabalham no Ministério das Finanças: entre 2019 e 2022, regressaram cerca de 4000 emigrantes ao abrigo deste regime, tendo beneficiado do desconto significativo no IRS. A faixa etária até aos 45 anos representa 75% do total.
O benefício fiscal é expressivo: os emigrantes que regressaram tinham um rendimento médio de 43 mil euros, muito acima dos 16,6 mil euros de rendimento médio nacional, mas pagaram uma taxa efetiva de IRS de 10,9%, inferior aos 13,6% pagos em média no país. Apesar de ganharem mais do dobro da média nacional, os emigrantes que regressam pagam menos impostos que a média.
No entanto, este desconto não tem sido suficiente para atrair os jovens que emigram. Desde 2011, saíram do país mais de 235 mil jovens até aos 35 anos, segundo os
dados do INE. Só uma pequeníssima parte é que parece ter decidido aproveitar o desconto nos impostos para voltar e, de acordo com o estudo do Ministério das Finanças, a maioria dos que regressam tinha a sua vida familiar em Portugal (por exemplo, casais em que um dos cônjuges já se encontrava no país). Não é a redução de impostos que vai inverter a tendência de emigração porque
não são os impostos que impedem os jovens de construir o seu projeto de vida no país.
Nada de novo na política de habitação
A segunda medida dirigida aos jovens que tem merecido maior destaque diz respeito à habitação. O governo pretende aprovar a isenção de IMT e de imposto de selo beneficia para compra de habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos. Mais uma vez, estamos a falar de uma medida dirigida a uma parte muito pequena dos jovens: os que já têm ou estão próximos de ter condições para comprar casas aos preços exorbitantes que hoje se enfrentam no mercado. Essa não é a realidade da
maioria dos jovens, que tem dificuldades até para arrendar e dificilmente consegue poupar o suficiente para conseguir financiar a entrada de uma casa.
Os problemas estendem-se à proposta de uma “garantia pública para viabilizar o financiamento bancário da totalidade do preço da aquisição”. O problema desta garantia é que teria como consequência provável uma subida dos preços praticados no mercado, assim que os proprietários percebessem que o Estado está disposto a ser fiador.
Mais do que aquilo que pode mudar, o que salta à vista é o que o governo quer manter. O primeiro-ministro foi claro sobre a intenção de fomentar o Alojamento Local reverter todas as medidas que procuravam limitar timidamente a expansão deste setor, indiferente ao facto de a reconversão de habitação em alojamentos turísticos ser um dos principais problemas da crise atual. Além disso, Leitão Amaro, agora ministro da Presidência, disse durante a campanha que o PSD estaria aberto a
reavaliar o regime dos vistos gold, que foi revogado depois de até a Comissão Europeia
alertar para “riscos relacionados com a segurança, lavagem de dinheiro, corrupção e fuga aos impostos”, além de alimentar a especulação imobiliária nas cidades.
No mercado de arrendamento, o governo quer a “substituição de limitações administrativas de preços por subsidiação pública aos arrendatários em situações de vulnerabilidade/necessidade efetiva”. Por outras palavras, o plano do PSD é que seja o Estado a subsidiar os ganhos que os proprietários arrecadam com as atuais rendas altíssimas.
Nenhuma destas medidas resolve o problema dos preços exorbitantes para a maioria das pessoas. O setor imobiliário está cada vez mais virado para o setor de luxo, uma vez que responde ao
padrão da procura que se tem intensificado nos últimos anos: fundos imobiliários e não-residentes ricos que não procuram casas para viver, mas sim como ativos para especular e gerar mais-valias. Em Portugal, o preço pago por compradores com domicílio fiscal no estrangeiro (ou seja, por não-residentes no país) é 43%
superior ao dos compradores nacionais. O mercado funciona em benefício dos grandes proprietários. Não terá sido por acaso que as associações de investidores
viram com bons olhos a viragem à direita.
Muito mais do que os impostos
O grande problema dos jovens está no emprego que encontram quando terminam os estudos, cada vez mais precário e mal pago. Boa parte desse problema mantém-se desde a última vez em que PSD e CDS estiveram no poder, entre 2011 e 2015. As reformas aprovadas nesse período, que incluíam a flexibilização dos despedimentos e a facilitação do recurso a contratos precários, contribuíram para a expansão de
setores de baixa produtividade como o turismo, assentes em emprego instável, e generalizaram a precariedade no país. Portugal tornou-se um dos países da União Europeia onde o
recurso a contratos a termo é maior, sobretudo entre os jovens, que, quando acabam os estudos, enfrentam frequentemente vários anos de estágios e contratos de curta duração, com pouca proteção laboral. A “economia [que] não dá suficientes oportunidades aos jovens” é fruto de um
modelo económico que a direita promoveu e que o PS nunca reverteu verdadeiramente.
A precariedade teve um efeito de compressão dos salários, reconhecido por um
estudo da Comissão Europeia que concluiu que existe um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes e que este é maior nos países com maior percentagem de precários, como Portugal. Mais: o
trabalho de investigação de três economistas do FMI aponta para a existência de uma relação entre a desregulação laboral e a redução da wage share – a fração do rendimento produzido numa economia que é recebida pelo fator trabalho, ou, por outras palavras, a fatia do bolo que cabe a quem trabalha. Um programa de governo que não pretende combater a precariedade não é um programa pensado para a maioria dos jovens.
A direita centra todo o seu discurso nos impostos porque o seu programa é governar para quem tem mais. É isso que explica, de resto, a reação exacerbada de inúmeros representantes da área política da direita face ao facto de o governo ter tentado enganar o país sobre o corte do IRS que ia aplicar já este ano. Luís Marques Mendes
disse que o truque desmascarado representa “um dano sério na reputação e credibilidade do governo”; João Vieira Pereira
escreveu que “mais do que um embuste, é enganar os portugueses”; já José Gomes Ferreira
confessou que se sentia “enganado” como nunca sentira com o PS. Há uma dimensão de classe incontornável nestas críticas: a enorme revolta manifestada por quem tem acesso aos meios de comunicação contrasta com o pouco interesse demonstrado no passado, quando os truques eram sobre a atualização das pensões ou as promessas de investimento nos serviços públicos que não saíam do papel. As classes mais privilegiadas revoltam-se quando percebem o que está em jogo para si e sentem que alguma das medidas que as beneficia pode ficar em causa.
A maioria dos jovens ganha pouco ou nada com descidas do IRS e do IMT, mas tem muito a perder com cortes nos serviços públicos, com a aposta cada vez maior em serviços privados (e mais caros) em áreas como a saúde, com as políticas que promovem a especulação imobiliária e a expansão desenfreada do turismo ou com a redução dos direitos do trabalho. Os discursos e as medidas simbólicas, como a criação de um ministério dedicado, são apenas
tentativas de forçar uma proximidade inexistente do governo com as gerações mais novas. A política deste governo não é para os jovens, é para a minoria do país que mais tem.
A não ser que sejam Bugalhos,,,
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