sexta-feira, 8 de março de 2024

Que esperar da privatização em saúde?


A contratualização de respostas de saúde com o setor privado consitui um dos traços comuns dos programas da direita nestas legislativas, da AD ao Chega, passando pela IL. Isto é, a assunção da ideia de que deveremos deixar de ter um Serviço Nacional de Saúde (SNS), transitando para um sistema nacional de saúde, que integre também o setor privado e o setor social, igualmente financiados pelo Estado através da atribuição de «cheques-saúde». Como se, desde logo, a questão do lucro, no caso do setor privado (e em parte do setor social dito não lucrativo), fosse irrelevante.

A ideia não é nova, ocupando de resto um lugar central no projeto da direita, orientado para a mercadorização dos direitos sociais e correspondente destruição das lógicas de acesso universal e gratuito inerentes aos serviços públicos. Os argumentos invocados, em defesa desta transição - e formulados numa aparente preocupação com as pessoas - são no essencial dois. Por um lado, a ideia de que a concorrência melhora a qualidade dos cuidados e, por outro, que é indiferente quem presta esses cuidados, importando apenas que o Estado assegure o financiamento.

Só que não. Num artigo recente, por exemplo, cujo rigor e prudência merecem ser sublinhados, Benjamim Goodair e Aaron Reeves analisam os efeitos da privatização de cuidados de saúde, considerando um conjunto numeroso de estudos dedicados a esta questão. Uma das conclusões a que chegam de modo mais assertivo é, justamente, a de que «a evidência recolhida não sustenta a tese de que a qualidade melhora com o aumento da concorrência», acrescentando que a análise afetuada reuniu dados que «desafiam as razões invocadas» para apostar no privado, sendo por isso «fraco o suporte científico para uma maior privatização dos serviços de saúde».

Os autores não ficam, contudo, por aqui. Chegam também à conclusão, entre outras, de que «os hospitais que passaram do estatuto de propriedade pública para privada revelaram tendência para obter lucros mais elevados do que os hospitais públicos, conseguidos sobretudo através da admissão seletiva de pacientes e da redução do número de funcionários», a par da tendência para a obtenção de «piores resultados de saúde pelos utentes». De facto, sugerem os autores, «é mais fácil reduzir custos que incrementar a qualidade do serviço», aludindo ainda a mecanismos de opacidade, que dificultam a adequada monitorização pública da contratualização de respostas.

Por último, no atual contexto eleitoral, desengane-se quem pensa que o recurso ao privado, para redução das listas de espera, se limitará a um «plano de emergência» de 60 dias, como assegura a AD. Basta recordar o corte de pensões durante a PAF, inicialmente apresentado como sendo limitado e temporário, mas que não só acabou por ir «além da troika» como só não se tornou permanente porque o Tribunal Constitucional não deixou.

A privatização da saúde não é um plano circunstancial. É um projeto de mudança estrutural desejado e promovido pela direita, sempre que tiver essa oportunidade. E que passa, incontornavelmente, pelo desvio de recursos e de profissionais para o setor privado, acabando por destruir o SNS e o acesso universal e gratuito a cuidados de saúde.

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