É errado associar aos resultados obtidos pelo Chega um significado racista, como sugere o gráfico de um inquérito que circula por aí, e a que cheguei através de Pedro Sales, nos termos do qual cerca de 53% dos portugueses acreditam que há «raças ou grupos étnicos que nasceram menos inteligentes e/ou menos trabalhadores» (racismo biológico), e cerca de 54% acreditam que «há culturas muito melhores que outras» (racismo cultural).
Se assim fosse, importaria desde logo perguntar porque razão o Chega obteve uma percentagem de apenas 7% há dois anos atrás, nas Legislativas de 2022, tendo agora disparado para 18%, quadriplicando a sua representação parlamentar. Ou perguntar, também, porque é que, se somos um país de racistas, os partidos de extrema-direita (como o PNR/Ergue-te), nunca conseguiram eleger nenhum deputado, sendo a sua votação sistematicamente inexpressiva em 50 anos de democracia.
Em segundo lugar, como poderíamos conciliar essa ideia de «Portugal, país racista», com diversos indicadores que nos destacam, à escala europeia e não só, como um dos países mais recetivos à imigração, como demonstra, em termos comparativos, a baixa percentagem de população que a considera um problema, em contraste com a população que a encara como uma oportunidade?
Não descurando que o discurso do Chega é atrativo para o residual eleitorado xenófobo e saudosista do Estado Novo (sempre o foi), nem o recurso às novas formas de comunicação de massas - que o Chega manipula de forma exímia -, ou a ajuda que «chega sempre pela mão do capital e dos seus intelectuais orgânicos bem financiados», a que o João Rodrigues aqui se referiu, é no «descontentamento» que encontramos a explicação mais plausível para a subida vertiginosa do partido de André Ventura no passado domingo. Porque não há, de facto, «18% de votantes racistas ou xenófobos em Portugal», como assinalou Pedro Nuno Santos no rescaldo da noite eleitoral.
"Não descurando que o discurso do Chega é atrativo para o residual eleitorado xenófobo e saudosista do Estado Novo (sempre o foi) [...]"
ResponderEliminarE mesmo o eleitorado saudosista poderá não ser particularmente racista ou xenófobo, se for daquela proporção que leva a sério o luso-tropicalismo (ideia essa que também existe, algo difusa fora desse eleitorado).
Se não são os 18% também não deve fugir muito. Todos os votantes do Ch que eu conheço, são todos uns racistas e xenófobos. Devo ter muito azar.
ResponderEliminarE, nao obstante o diagnóstico que considero correto, PNS foi candidato, ministro e continuará a ser secretário geral do mesmo partido tributário de uma configuração institucional supranacional que nos sonega soberania nas mais diversas áreas e impossibilita uma efetiva luta de classes em Portugal. Poderia ser um excelente quadro do PCP, mas prefere ser, por convicção política e ideológica, parte de uma esquerda que contribui, há 50 anos, para o social liberalismo que alimenta os novos fascismos e a destruição histórica dos partidos de esquerda.
ResponderEliminarComo dizia alguém ontem, se os eleitores do partido comunista são comunistas, os eleitores do partido socialista são socialistas, os eleitores do partido social democrata são sociais democratas, porque raio é que os eleitores do chega não hão-se ser fascistas, racistas e xenófobos? Porque para os "descontentes" havia uma panóplia de partidos (alguns até que trabalham o ano todo para melhorar a sua vida) à escolha!
ResponderEliminarhttps://www.eleicoes.mai.gov.pt/legislativas2022/resultados/territorio-nacional
ResponderEliminarhttps://www.legislativas2024.mai.gov.pt/resultados/globais
Houve 6.140.269 de votantes em territorio nacional em 2024 comparado com 5.389.705 votantes em 2022, uma diferenca de… 750564 votos extra em 2024 comparado com 2022.
O Chega, curiosamanete, pulou de 385.573 votos em 2022 para 1.108.797 votos em 2024 em territorio nacional, uma diferenca de… 723224 votos.
O PS perdeu grosso modo uns 500.000 votos em territorio nacional e o PSD+CDS+PPM ganharam uns 170.000 face a 2022.
O IL e PCP perderam votos.
O BE, o LIVRE e PAN ganharam votos – (o LIVRE mais que triplicou a votacao)
A mim me parece que em 2024 o Chega mobilizou eleitorado que estava apatico com o sistema politico portugues pos integracao no Euro.
Em 2024, dois tercos da populacao nacional deu-se ao trabalho de comparecer nas urnas, o que e assinalavel historicamente, especialmente desde a adesao ao Euro e consequente esvaziamento da soberania nacional.
O eleitorado pode perceber o fenomeno de esvaziamento de soberania conscientemente (poucos).
Pode tambem percepcionar/sentir o esvaziamento de soberania de uma forma inconsciente (a maioria) em cujo caso repetem este ou outra adagio de igual significado: “sao todos iguais!” – sim, os governadores-gerais de colonias e protectorados nunca tiveram peso para alterar politicas da metropole e portanto redundam numa massa indistinta sejam eles comissionados, nomeados, sorteados ou eleitos democraticamente para a tarefa…
Penso que os 500.000 votos que o PS perdeu foram primordialmente distribuidos entre “partidos do sistema”. Alguns votos dos “partidos do sistema” migrou para o Chega concerteza, do PS tambem talvez, se bem que me parece mais natural se partir de partidos da direita para a extrema direita. No entanto, sem duvida a maioria dos ganhos eleitorias do Chega vieram de uma significativa agitacao entre o eleitorado habitualmente abstencionista.
Tudo isto, note-se, redunda – e redundara sempre porque incontornavel, para o bem e para o mal - na Uniao Europeia, desde a criacao do Euro como ele funciona, uma fabrica de neo-fascistas.
A UE, com a sua arquitectura institucional deficiente, cria num primeiro passo, deliberadamente, apatia e abstencao por forma a silenciar os movimentos militantes das classes baixas, e num Segundo passo, no minimo permite de forma negligente, que o descontentamento abstencionista se radicalize e eventualmente re-mobilize nestes partidos neo-fascistas ou...
Ou deliberadamente incentiva? Aqui estou incerto – alguns sectores da elite capitalista sem duvida temem que estes partidos extremistas fujam ao seu controle pondo todo o edificio neoliberal europeu em risco – por isso o constante celeuma e retorica contra estes partidos nos media, mas outras fraccoes das elites capitalistas pensam que ou podem conviver com estes partidos ou mesmo controla-los como controlam actualmente os partidos do “extremo-centro” por forma de dividir e direcionar as classes baixas com um capital de descontentamento ascendendo a duas decadas de estagnacao nao ignoravel e nao mais dispostos a permanecer silenciosos na mera abstencao para votarem contra os seus proprios interesses de classe nas urnas – uma coisa e certa, alguem anda a financiar estes movimentos e nao sao nem as massas populares nem os movimentos sindicalistas….